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O democrata relativo

11/07/2023 - 12:55

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Há pouco mais de cinquenta anos estudo o direito constitucional, por força da minha profissão e pela vontade de conhecer razoavelmente o constitucionalismo, notadamente no que se refere à Constituição brasileira. Se aduzirmos a esse tempo o período escolar, quando já estudava sobre os direitos individuais, o período de estudo se estende a sessenta e poucos anos. Durante meus estudos jamais ouvi falar seriamente em democracia relativa, ou relativização da democracia.

Essa teoria vim conhecê-la nas declarações do presidente Lula em favor do seu colega venezuelano. Considerando que no passado Lula afirmou jamais ter lido um livro, como a justificar que estudo e leitura não são necessários à assunção à presidência do Brasil, ou a qualquer governo neste país, acredito que essa relativização do conceito de democracia tenha saído de sua própria cabeça, ou quando muito inspirando-se em declarações de outro presidente brasileiro, do período militar, general Ernesto Geisel.

Pode-se até discordar da democracia, como por exemplo Aristóteles, que preferia aristocracia. Pode-se, também, exercer a crítica, como por exemplo Winston Churchill, quando com seu humor britânico afirmou que democracia era a pior forma de governo, exceto as demais. O questionamento de um e de outro é o risco de que a democracia enseje situações indesejadas, como por exemplo a tirania da maioria. Por isso seria a pior forma, mas a melhor dentre todas as conhecidas.

Conheço democracia direta, representativa e participativa, mas todas elas são plenas, jamais relativas. Maduro não é um democrata, e a Venezuela sob seu governo não é uma democracia, mas uma tirania. Não importa se, como Lula argumenta, no país vizinho haja mais eleições do que o Brasil. Esqueceu de referir que as muitas eleições venezuelanas são controladas por Maduro, não havendo, portanto, liberdade de escolha. Definitivamente não é democracia; talvez seja uma espécie de fake democracy.

Que Lula queira apresentar uma justificativa para a recepção de Maduro com tratamento de chefe de Estado, não precisava ir tão longe, bastando dizer que o venezuelano é, queira-se ou não, chefe do estado venezuelano. Bastava isso, sem qualquer outro salamaleque, a não ser que o governante brasileiro pense, lá no fundo da sua tortuosa imaginação, tornar o Brasil em uma democracia relativa. Nesse ponto não se afasta nada da pretensão do seu antecessor; ao contrário, aproxima-se.

Na verdade, Lula não precisa ler qualquer tratado sobre democracia, basta examinar a frase de Lincoln, que ensina ser a democracia o governo do povo, pelo povo e para o povo. Na verdade, embora Lula extravase seu pensamento descabido, não é o único político brasileiro a agir como se fosse relativa a democracia brasileira. Pensam quase todos, embora usem máscara de democratas, que democracia é o governo deles mesmos, existente por eles mesmos, e para servir aos seus interesses.

Esquecem que o Brasil, malgrado não seja uma democracia direta, mas representativa, é, de certa forma, participativa, considerando a previsão de referendum popular e de iniciativa da lei pelo povo.

Considerando que somos uma democracia basicamente representativa, o senhor do poder é o cidadão, ou a maioria. Somos os mandantes, e presidentes, senadores, deputados e vereadores, governadores e prefeitos, são simplesmente mandatários nossos. Daí o conceito de Lincoln: do povo, pelo povo e para o povo, como disse acima.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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