Uma ode ao Millôr
Este país até poucas décadas foi habitado por uma plêiade de gênios que, não por acaso, também foram grandes frasistas. Construíam de forma leve e sutil e por vezes direta como um esbofeteio, um tipo de crítica social que, se não resolviam os eternos problemas do Brasil, ao menos serviam como válvula de escape para que a população sofrida deste país desopilasse o fígado de tanto rir e vivesse – por breves instantes – a fantasia do que uma frase bem construída pode ensejar nas pessoas.
Millôr Fernandes, a meu gosto o maior deles, foi um grande construtor de frases impagáveis, algumas imortais e todas de um refinamento intelectual pouco percebido por muitos que apenas se deleitavam com suas “tiradas” como essas:
“O cadáver é que é o produto final. Nós somos apenas a matéria prima”; “O preço da fidelidade é a eterna vigilância”; “Como são admiráveis as pessoas que não conhecemos muito bem”; “Brasil, condenado à esperança”; “Ambíguo, eu? Pode ser, pode não ser”; ou a frase que é mote deste jornal: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.
Ou essas: “Pois eu, num pôquer com Maluf e Brizola, só entrava com baralho meu”; “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”; “Por mais imbecil que você seja sempre haverá um imbecil para achar que você não o é”; “O capitalismo é a exploração do homem pelo homem. O socialismo é o contrário”; “A diferença fundamental entre Direita e Esquerda é que a Direita acredita cegamente em tudo que lhe ensinaram, e a Esquerda acredita cegamente em tudo que ensina”.
Além de seu espírito provocador, Millôr tinha uma grande capacidade de criar aforismos e suas ilustrações estavam repletas de humor e criatividade. Foi um gênio que se achava comum. Como todos os grandes devem ser.
Millôr era múltiplo. Sua mente afiada, sua pena criativa e suas frases instigantes foram a sua marca registrada. Mas foi também um dos maiores dramaturgos que o Brasil já teve. Produziu peças que fizeram história no teatro brasileiro, como Liberdade, liberdade (em coautoria com Flávio Rangel) e É..., uma das suas obras mais famosas.
Essa breve homenagem é porque hoje acordei sentindo falta da sua sagacidade inteligente e da ironia refinada das suas frases sempre inteligentes.
Faz muita falta nos dias de hoje.
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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA