colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

Será preciso ir à justiça holandesa?

05/11/2023 - 09:40
Atualização: 05/11/2023 - 09:46

ACESSIBILIDADE

Divulgação
Pulverização de defensivos em lavoura
Pulverização de defensivos em lavoura

A semana teve um pouco das muitas, mesmo, mazelas ambientais tão comuns neste Brasil de autoridades e empresários impunes e justiça leniente com os malfeitos de uns e de outros na área ambiental. Uns por omissão, prevaricação ou corrupção mesmo, outros por ganância, irresponsabilidade técnica e sensação total de impunidade.

A luta dos ecologistas (e de todas as pessoas minimamente responsáveis) pelo controle do uso de defensivos na agricultura (muitos deles proibidos nos países de primeiro mundo) e, em especial via pulverização aérea, é uma dessas meizinhas que parece andar a passos de cágado nos parlamentos brasileiros e na justiça nacional.

Uma briga que teria que ser de todos, afinal, estamos consumindo mais e mais alimentos infestados de pesticidas sem que se percebam avanços importantes no controle e mesmo proibição desses produtos químicos perigosos à saúde de todos. Nossa palavra de incentivo ao ambientalista Ricardo Ramalho que tem liderado essa luta nas Alagoas e enfrentado os muros de insensibilidade e barreiras institucionais, em prol de bem estar de nossa sociedade. Que sua luta e de milhares que o apoiam de forma ativa ou de forma velada continue e avance.

Por outro lado o desastre de Mariana que assistiu atônita – assim como o mundo todo - seu distrito de Bento Rodrigues ser destruído pelo mar de lama provocado pelo rompimento de uma das barragens da Samarco, multinacional pertencente à VALE S.A e à anglo-australiana BHP Billiton completou hoje 8 anos. Com muitos passivos ainda em aberto e com áreas de mineração sendo ampliadas como se observa em imagens de satélites.

Segundo o Wikipédia “A Samarco esteve envolvida em diversos episódios causadores de danos socioambientais nas áreas onde pratica a atividade da mineração. Reportam-se, por exemplo, ao menos cinco outros episódios de rompimento de estruturas, para além do notório caso em Bento Rodrigues, sendo que em quatro desses episódios houve vazamentos de lama que mataram peixes e paralisaram a captação de água.

Além desses vazamentos, no ano de 2014 a empresa foi uma das responsáveis pela poluição acentuada na capital do Espírito Santo, Vitória, que resultou na CPI do Pó Preto. Que identificou como responsáveis além da Samarco, as empresas ArcelorMittal e Vale. Toda a semelhança com o que ocorre com a Braskem mundo afora em termos de desastres. E até na criação de CPI (neste caso no Senado Federal e não na assembleia legislativa como ocorreu no Espirito Santo).

O site UOL reproduz fala dos advogados dos 700 mil afetados na causa inglesa: “A audiência na Justiça da Inglaterra que poderá determinar a culpa das duas empresas na tragédia [de Mariana] foi marcada para outubro de 2024”. Eles entendem que há a possibilidade de acordo na justiça daquele país até março de 2024. O valor para inicio das negociações é de R$230 bilhões ou, em torno de 329 mil reais por atingido.

Já a BHP afirma que a ação no Reino Unido é desnecessária e que "continuará com sua defesa no processo e nega integralmente os pedidos formulados na ação ajuizada no Reino Unido, que é desnecessária por duplicar questões já cobertas pelo trabalho contínuo da Fundação Renova, sobre a supervisão dos tribunais brasileiros, e objeto de processos judiciais em curso no Brasil". No que é rebatida pelos advogados que representam os 700 mil afetados na ação inglesa, que afirmam que "Em 99% dos casos as empresas [multinacionais] evitam deixar que o processo chegue a julgamento".

Enquanto isso, a VALE em nota se posicionou: [a mineradora diz que], como acionista da Samarco, reforça o compromisso com a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem. "A empresa vem prestando suporte à Fundação Renova, responsável por executar os programas de reparação e compensação das áreas e comunidades atingidas".

Em suma, o texto procura iluminar qual é o padrão de comportamento das mineradoras em geral quando se veem envolvidas em acidentes de qualquer monta: postergar maximamente o pagamento dos passivos que elas “construíram” junto às comunidades e entes estatais afetados; criar toda a sorte de dificuldades e entraves para se avançar na direção de um acordo justo para os “perdedores ambientais” das localidades atingidas sejam eles pessoas, empresas ou o Estado em si.

Só se movimentam no sentido proativo de resolver seus passivos, quando “sentem” que podem perder muito mais do que estão dispostas a pagar. As ações em países onde elas têm sede é, certamente, o caminho a ser tomado quando não se alcança sucesso nas tratativas locais. E aí como elas sabem que o “buraco pode ser bem mais embaixo” tendo eventualmente que arcar com valores muito superiores aos dos acordos realizados no Brasil, se apressam em fechar acordos que lhes evitem perdas ainda maiores.

O caso Braskem é o retrato fiel dessa realidade. Até a entrada do governo de Alagoas no polo ativo das reinvindicações compensatórias, a empresa “deitou e rolou” impondo acordos em que só ela foi beneficiária (no caso dos ex. moradores das áreas diretamente afetadas pelo megadesastre e, mesmo no acordo-traição a Maceió feito com a Prefeitura da Capital).

Este caso da Prefeitura é sintomático. A Braskem além de pagar uma esmola-ninharia de bilhão de reais (porque 700 milhões de reais ela, sem que se saiba publicamente as razões afirma que já haver gasto em Maceió aquela quantia que foi “descontada” do valor-merreca que acertou com o prefeito da cidade. Acordo cinzento feito à revelia da Câmara de Vereadores, dos órgãos de justiça e da sociedade como um todo.

A ninharia recebida equivale a tão somente 6.738 reais por afetado pelo desastre da Braskem ou, pior ainda, pouco mais de 1.052 reais per capita se os recursos fossem distribuídos para cada cidadão de Maceió, a cidade que teve destruída parte significativa de seus bairros pela empresa.

Não custa lembrar que a ação inglesa contra a Samarco reivindica de início em torno de 329 mil reais por afetado para se entender o tamanho da maracutaia que foi a transação Braskem-Prefeitura de Maceió, mesmo se considerando que o valor solicitado na corte inglesa deverá ser substancialmente reduzido num acordo final com a empresa.

Neste artigo, chamamos a atenção para um aspecto que vem passando incólume nas discussões das compensações devidas pela Braskem em Alagoas: A Vale, parceira da BHP Billiton na Samarco, embora de forma enviesada, deixa claro em nota que “reforça o compromisso com a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem”. Mas a Petrobras sócia e parceira da NOVONOR (ex.Odebrecht) na Braskem mantem-se olimpicamente à distancia do desastre como se nada tivesse a ver com ele.

Passou da hora de inserir a empresa no cenário de negociações que Alagoas se prepara para ter com a multinacional, afinal com 36% das ações da empresa, ela só perde em importância para os 38% do grupo baiano. Além de fazer parte do conselho de administração da Braskem e ter indicados seus na diretoria executiva da empresa.

Estamos num caminho sem volta em relação às negociações com a Braskem. Que tem que ser breves, justas e atender a todos os segmentos envolvidos.

Ou será que teremos que ir para a justiça holandesa?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


Encontrou algum erro? Entre em contato