Poder manda Lampião para o buraco
A família Carvalho assumiu, no início do século passado, o comando político da cidade de Vila Bela (hoje Serra Talhada, Pernambuco). E se aliou a outra família, a Nogueira. Pactos deste tipo envolviam interesses comuns nos jogos do poder pelo Sertão nordestino. E não cabia todo mundo: os Ferreira seriam eliminados. Foi quando começou a saga de Lampião.
José Ferreira da Silva, pai de Virgulino Ferreira da Silva, foi obrigado a sair de Vila Bela levando a mulher e os filhos. Mudaram-se para Floresta do Navio, a 95 km de Vila Bela, também no Sertão pernambucano. Dono de poder político, riquíssimo e com um exército próprio de jagunços, o coronel Ulisses Luna ofereceu proteção aos Ferreira em Água Branca. Não foi suficiente, e mudaram para Mata Grande. "Em junho de 1921, as oligarquias políticas de Pernambuco acionaram as autoridades políticas de Alagoas dizendo que bandoleiros oriundos de Pernambuco se encontravam no Sertão de Alagoas", diz o historiador e deputado estadual Inácio Loiola.
Inácio é de Piranhas e desde pequeno escuta os vários lados sobre o cangaço e, claro, as histórias de Lampião. São as versões colhidas diretamente dos cangaceiros que sobreviveram, de coiteiros e os policiais, pesquisas fora do radar oficial e na raiz discursiva do povo.
Duas volantes comandadas pelo subtenente José Lucena de Albuquerque Maranhão (delegado de Viçosa) e o sargento Amarílio Batista (delegado de Água Branca) chegaram a Mata Grande e mataram José Ferreira da Silva, o dono da fazenda, e espancaram os moradores.
"Lampião, quando chega, encontra o pai morto, a mãe tinha morrido 40 ou 45 dias antes, vítima de um infarto fulminante. A partir daí ele se alia a um cangaceiro por nome Senhor Pereira e a Luiz Padre, seu primo. Um ano depois, Senhor Pereira abandona o cangaço, uns dizem que estava acometido de reumatismo crônico, outros dizem que a pedido de padre Cícero. Senhor Pereira reúne o grupo, coloca o seu projeto: aqueles que quisessem seguir com ele, ele aceitaria. Quem ficasse, tinha de escolher um líder. E escolheram Lampião. Isso por volta de 1922", conta Loiola.
Ao longo do tempo, Lampião ganhou prestígio, registros cinematográficos, construiu uma rede de interesses ampla e complexa, envolvendo desde coronéis a lideranças políticas. E novamente os jogos do poder de mando no Sertão escolheram quem seria o eliminado da vez.
Em 1936, o presidente Getúlio Vargas convoca todos os interventores (governadores) do Nordeste. Deu ordens: ou Lampião seria eliminado ou todos os interventores seriam exonerados, principalmente na área de maior militância do cangaceiro: Alagoas (Osman Loureiro), Sergipe (Eronildes Ferreira de Carvalho) e Pernambuco (Agamenon Magalhães).
Agamenon Magalhães nasceu em Serra Talhada, onde vivia a família Ferreira e virou simpatizante de Lampião. Eronildes Ferreira era coiteiro. Seu pai era Antônio de Carvalho (Antônio Caixeiro), latifundiário sergipano e amigo particular de Lampião. O governador era oficial do Exército e fornecia as armas ao bando.
Próximo de ser trucidado pelas volantes, Lampião queria abandonar o cangaço. Enquanto isso, as forças de segurança pressionavam coronéis e interventores.
Osman Loureiro criou o 2º Batalhão de Polícia, com sede em Santana do Ipanema, comandado por Lucena Maranhão, o mesmo que em 1921, junto a Amarílio Batista, matou José Ferreira da Silva. Mas foi um aspirante da Polícia Militar de Alagoas, Francisco Ferreira de Melo, quem teve papel estratégico. Ele foi deslocado para a delegacia de Pedra (hoje Delmiro Gouveia). Identifica a relação entre agentes de segurança e o cangaceiro. Do outro lado, o governador de Sergipe foi ao encontro de Lampião na fazenda Jundiaí, de Hercílio Britto. Disse que não havia mais como segurar e aconselhou que deixasse o cangaço. Sairia com proteção política e econômica de Sergipe, como aconteceu com Senhor Pereira.
Não deu tempo. Na madrugada de 28 de julho de 1938, as volantes foram para cima do bando que estava na fazenda Angicos em Poço Redondo (Sergipe). Teoricamente, ele deveria estar protegido pelo governo sergipano e pelo dono da fazenda. Os jogos do poder sabem a hora de descartar algumas de suas peças.
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