colunista

Odilon Rios

Odilon Rios é jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

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A Lapinha da Mestra, cantada em Maragogi

18/05/2024 - 06:00

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Avibração instantânea das redes que pescam milhares em milésimos de segundos, através dos aparelhos celulares, vem transformando o povo feito de “carne e osso” com suas mundividências feitas de trabalho e sobrevivências, em meros “observadores da modernidade”; frase que também pesquei na obra “Lapinha da Mestra Dudé – Ópera popular entre a prática e o esquecimento”, de Ismélia Tavares.

A Mestra Dudé reinou em mundos culturais pintados de azul e encarnado, nas bandas de Barra Grande, no município de Maragogi, e como uma verdadeira rainha de folguedos no norte alagoano, não tinha ouro nem prata, sequer teve a garantia da sobrevivência com segurança alimentar, dependendo da caridade, solidariedade e sensibilidade social dos poucos que lhe deram alguma oportunidade concreta. Mas conheceu a brisa morna vinda do mar que um dia interligou continentes e transportou culturas, permitindo a fusão entre as vozes da África e as cantorias religiosas ou não, da Europa.

Ismélia Tavares não seguirá em aparição solo neste território, porque as linhas de sua poesia cantada interligaram seu nome a Dirceu Lindoso, o nobre filho de Alagoas Boreal, deserdado por seus amores locais, como sói acontecer com todos os que pensam e sentem para além do umbigo. Assim se eternizam estes alagoanos, assim viverá Dirceu, no vasto legado de saberes que elencou e despejou no mundo, mantendo a contradição local incólume.

Mas Ismélia sem Dirceu existe em franzino corpo, e majestosa aura de sapiência, que distribui com maestria de musicista, roteirista, e escritora, no mundo diverso da arte e da cultura, expandido para a comunicação. Sua obra eternizou Dudé. Sua escrita defende o folguedo Lapinha no julgamento cotidiano da prática e do esquecimento.

Sobre seu trabalho de pesquisa que redundou no livro, fala: “Nas ocasiões conversei com algumas pessoas, tanto em Maragogi como em Maceió, e observei como é grande o desconhecimento ou apagamento com relação ao folguedo Lapinha”. E acrescenta: “A Lapinha configura-se como um auto de Natal, o qual teve o seu início em Portugal por volta de 1584, século XVI. Entretanto, essa brincadeira foi proibida pelo bispo de Olinda, Azevedo Coutinho, em 1801, no século XIX”.

Nas análises da autora as motivações do bispo para a proibição da Lapinha iriam muito além daquelas justificadas, como a sensualidade das mulheres cheirando a flores, cravo e manjericão; segundo ela, a autoridade religiosa percebera elementos de subversividade nas mulheres que protagonizavam uma luta de morte pelo menino santo, que culminava com arrependimento, choro, perdão e ressurreição, garantindo a sequência do folguedo alegre em meio a cenários de tristeza.

“A Lapinha não é auto comum, pois contém em sua apresentação momentos de diálogo e de dramatização, podendo-se dizer que se compara a um teatro dramático, ou a uma ópera popular que transita entre o profano e o sagrado”, arremata Ismélia.

Mestra Dudé findou sua jornada na Terra no mesmo dia que Ismélia concluiu a escrita que lhe eternizaria. Um sinal de que o cordão segue, agora multicolorido como o entardecer de Maragogi, o pedaço boreal de Alagoas.banner

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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