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Odilon Rios

Odilon Rios é jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

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O pensamento graciliânico num país-aprendiz de República

08/06/2024 - 06:00

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O Sertão é um símbolo de resistência conquistado pelo povo sertanejo, muito antes que alguém validasse sua força. De família sertaneja, viceja ngela Maria dos Santos, saindo de Olho d’Água do Casado para a capital alagoana, traz a lume o livro intitulado O Pensamento Graciliânico e suas Relações Sociopolíticas e Administrativas em Alagoas.

É justa a homenagem feita em forma de agradecimento: “Aos meus pais, Maria Mercê e Severino Santos, dois feirantes e agricultores que criaram seus treze filhos com muita luta e fé”. Sim, é de luta e fé que a história do alagoano dito comum se materializa, expande esperanças e, apesar de todas as traições políticas perpetradas pelos poderosos, consegue vingar amanhãs.

A autora pesquisou o ilustre conterrâneo desse povo que margeia a glória e a agonia tendo a política como mediadora da vida e da morte, Graciliano Ramos, o ferrenho combatente da corrupção quando prefeito do município de Palmeira dos Índios, onde fincou propósitos para além do seu tempo, mesmo que para isso tenha utilizado artifícios higienistas.

“O recorte temporal compreende os anos de 1920 a 1936, elencando suas atividades na administração pública alagoana”, em um país que estava aprendendo a ser republicano, tendo fundo histórico colonialista, escravagista, monárquico, imperialista e contaminado na melhor das hipóteses, pelas ideias europeias sobre o ser social.

“A elaboração do imaginário é parte integrante na constituição de qualquer regime político, por meio dele se atinge não apenas a cabeça, mas o coração, as aspirações, os medos e as esperanças de um povo”.

Para “civilizar” Palmeira dos Índios o prefeito fez cumprir um Código Municipal de Conduta, no qual o rigor não dispensava nem mesmo a ele ou seus familiares; pois quando o pai feriu um dos artigos e foi poupado pelo encarregado da sanção, este foi demitido. “Seu Marçal, bote esse homem pra fora. Deixou de cumprir as minhas ordens. Prefeito não tem pai”.

“Em seu conjunto, o Código Municipal de Conduta fazia notar 82 artigos, constituídos para colocar ‘ordem’ na cidade; isto é, suas medidas estavam associadas aos propósitos higienistas do período republicano brasileiro”. Desde o resguardo de animais no local devido ao ato preventivo da vacinação, qualquer descumprimento resultava em multa.

“Art. 28 – Os chefes de família, tutores, diretores de estabelecimentos de ensino, mandarão vacinar seus subordinados no dia, lugar e hora que o vacinador designar ou vaciná-los em suas casas ou propriedades. Multa de 20$000 aos transgressores”. Estava no Código.

“Na esfera prática administrativa, Graciliano trabalhava com a impessoalidade, que será constitucionalizada 60 anos mais tarde”. Se suas atitudes merecem julgamento no presente, talvez maior lhe seja merecida a cota de compreensão e admiração, diante da leva de políticos que veio antes e depois dele.

“Graciliano não foi o que alguns esperavam dele enquanto prefeito. Mesmo sendo escolhido pelos líderes da política local e tendo 433 votos, ele não atendeu aos privilegiados da época”. Diante do malogro, a literatura o salvou e tornou patrimônio brasileiro.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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