colunista

Odilon Rios

Odilon Rios é jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

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O Natal da Fome

15/06/2024 - 06:00

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1989. Alagoas enfrentava os estertores de uma grave crise social e econômica. Fernando Collor renuncia ao governo para disputar e ganhar a Presidência da República. Assumiria dali a alguns meses, em março de 1990. O vice comandava o Estado: Moacir Andrade. Os servidores públicos optaram pela greve, o governo não tinha noção de quantos ou quais dos professores e funcionários das escolas tinham aderido à paralisação. Andrade tomou uma decisão radical: cortar parte dos salários de todos, atiçando os ânimos, piorando as relações com os funcionários públicos, que acamparam em frente à Assembleia Legislativa, onde passaram o “Natal da Fome”.

“O pranto daqueles pais de família parece que eu estou vendo até hoje, porque a forma como foi feito o retalhamento naquele período foi um dos mais sofisticados porque não foi o corte, foi a retirada de uma parte do salário. Foi a primeira vez que eu vi uma reação de governo naquele nível, com aquele requinte, [...]” disse uma ex-dirigente sindical entrevistada pelo professor da Ufal Jailton de Souza Lira, mestre e doutor em Educação, em sua pesquisa “A trajetória sindical dos trabalhadores da educação em Alagoas (1985-2010)”, publicada na Revista Eletrônica de Educação, v. 9, n. 1, p. 153-166, ano 2015.

Era a partilha dos que não tinham nada com os sem coisa nenhuma, uma massa que se unia em condição ainda mais agravada porque Alagoas sempre esteve na lista dos piores do Brasil. Ao mesmo tempo, todos prontos para o que desse e viesse. Dali a instantes, um ex-governador se preparava para subir a rampa e presidir o país.

A pressão do “Natal da Fome” obrigou Moacir Andrade a voltar atrás. Ele pagou os salários e dali em diante os sucessores escolheram conviver com a greve, as escolas fechadas, anos letivos cancelados porque o calendário escolar não era cumprido. Tudo uma aposta no caos. Geraldo Bulhões assume o Governo, os problemas não diminuem.

“As greves por reajustes salariais duraram meses (os servidores públicos estaduais ficaram vários meses sem receber salários), que se encerravam pela desmotivação e falta de expectativas dos trabalhadores públicos em conseguir qualquer ganho percentual efetivo”, diz Souza Lira. Não havia repressão aos manifestantes. Era como se eles não existissem. Ou o governo temesse o efeito do Natal da Fome.

“Foram seis meses de greve. Foi um momento eu diria que da derrocada, foi um dos momentos assim que eu diria que o Estado de Alagoas se tornou diferenciado. Foi um momento de greves intermináveis e greves que não tinham resposta do governo, que o governo ignorava. [...] Alimentar uma categoria ainda com a esperança de alguma coisa, com o governo absolutamente apático, indiferente. Todo mundo com salário mínimo”, respondeu uma professora ao pesquisador da Ufal.

Ainda não havia se tocado a lama do fundo do poço. Alguém chegaria misturando o milagre, a salvação e o purgante: o Governo Divaldo Suruagy. Veríamos, novamente, o governador transmitir a gestão ao vice. Sob pena do caos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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