Tragédias lucrativas
Chuvas e destruição também significam um sinal de ótimos negócios. Não é diferente quando olhamos a classe política alagoana. E se houvesse mortos, melhor ainda. Porque a comoção não afrouxa apenas as lágrimas, mas também semeia dinheiro público, resultando em eterna gratidão, afinal a única coisa que populações inteiras têm para oferecer (e que vale alguma coisa) aos representantes da política partidária.
Um relatório da Secretaria Estadual de Educação e Cultura mostra que as chuvas comprometeram dois açudes que abasteciam Maceió, em junho de 1897. Entrou em campo a comoção: o governo não tinha dinheiro para reconstruir ambos. Escolheu realizar obras provisórias em um deles. Acionou a companhia de água para realizar um novo contrato e abastecer a cidade inteira; a companhia negou o dinheiro e sugeriu que se buscasse um empréstimo que seria pago em apólices de alto valor. Os sócios votaram por não aceitar o empréstimo e decidiram alienar a companhia. Conclusão do governo: não se podia esperar mais nada da companhia, antes importante, e agora sem dinheiro para construir um plano para levar água potável a 30 mil pessoas.
Em 1908, o relatório do presidente do Estado (cargo equivalente a governador) Euclides Malta clama aos deputados a criação de um imposto com a justificativa de ajudar as vítimas das chuvas, além de liberar crédito extraordinário. O governador Fernandes Lima, em 1924, detalhava, em discurso de prestação de contas encaminhado para a Assembleia Legislativa, que fortes chuvas caíram em Maceió numa única noite. A violência das águas foi tamanha que inundou repentinamente vários pontos da capital, destruindo casas às margens dos riachos Reginaldo, Maceió e atingindo o bairro do Poço. Águas também invadiram armazéns, trapiches e casas no Jaraguá. Uma “verdadeira catástrofe” certamente ligada a “algum fenômeno cósmico”, talvez uma tromba d’água que desabou dos morros da cidade. Três pessoas morreram.
Oitenta anos depois, em 2004, mais de 20 pessoas morreram também em Maceió por causa das fortes chuvas. Mais de duas mil pessoas ficaram desabrigadas. Enquanto isso, técnicos da Prefeitura concluíram um relatório de avaliação de danos para a Secretaria Nacional de Defesa Civil. Com um pedido: envio de dinheiro federal.
Também foi assim em 2010. Acompanhando o rastro de destruição causado pelas chuvas, deixando mortos pelo caminho, o presidente Lula anunciou quase meio bilhão de reais para a reconstrução das cidades e a desocupação de áreas dos rios para evitar novas tragédias no futuro. A prometida reconstrução foi menos que o esperado e as áreas de rios seguem ocupadas.
Em pelo menos duas ocasiões Fernando Collor foi beneficiado pelas chuvas, ambas na disputa presidencial: quando era governador, construiu quatro mil casas aos desabrigados de uma enchente à beira da lagoa Mundaú, onde fica um dique (por isso Dique Estrada). Nas campanhas seguintes, Collor sempre lembrava às pessoas quem ergueu as casas, estimulando essa dívida de gratidão - hoje passando de uma geração a outra.
A outra situação curiosa aconteceu em Limoeiro de Anadia. Collor soube que, se aparecesse em Limoeiro para criticar os adversários, receberia uma saraivada de balas. O candidato presidencial não se intimidou: foi lá, atacou e desafiou que o matassem. Nenhum tiro foi disparado. Voltou a Limoeiro depois, para relembrar a cena icônica e gravar para a campanha. E neste dia também chovia. O jornalista Ricardo Noblat conta que um assessor de Mário Covas – também candidato a presidente – desconfiou. E descobriu que alguém disse: “Molhe a câmera”. E os pingos da chuva marota apareceram na câmera gravando Collor. Foi eleito.
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