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Odilon Rios

Jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

Conteúdo Opinativo

O Quebra: as eleições fraudadas

15/02/2025 - 06:00
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A mais violenta ação registrada na história brasileira contra religiões de matriz africana completa neste mês de fevereiro 113 anos. Em 2 de fevereiro de 1912, uma horda enfurecida e incentivada pela Liga dos Republicanos Combatentes destruiu 150 terreiros em Maceió, além de espancar e apedrejar seguidores. Uma das vítimas: Tia Marcelina, ex-escravizada, natural de Angola.

Tamanha foi a brutalidade que até os dias de hoje alguns terreiros (como nos bairros do Poço e Vergel do Lago, onde a Liga atuou com mais violência) evitam se expor publicamente e são identificados por discretas bandeiras brancas penduradas do lado de fora, cicatriz da intolerância religiosa.

A partir desta edição, começamos uma série de reportagens esmiuçando a Liga dos Republicanos Combatentes e seus laços com as famílias mais poderosas de Alagoas. Vamos mostrar que a Liga permaneceu ativa por mais duas décadas, tinha até uma escola própria e se transformou em uma milícia bastante organizada e financiada, cujo primeiro objetivo era tirar a oligarquia comandada por Euclides Malta do poder, mas também ser a representante do proletariado local. Em verdade, isso era fachada. A Liga era aclamada mesmo por dirigentes da Associação Comercial da época, até seus registros deixarem de existir a partir de 1930.

Antes, porém, é preciso situar o leitor: o quebra dos terreiros em Maceió foi em 1912 e nesta época a Câmara dos Deputados analisava o resultado das eleições no Brasil. Havia muitas denúncias de fraudes, e em Alagoas os casos eram alarmantes. Das 136 seções eleitorais do estado, 87 tiveram a votação anulada. Foram identificados vícios de organização em 15 cidades, como Maceió, Penedo, Atalaia, São José da Laje e Traipu. Havia candidatos com mais votos que os previstos nas seções.

O deputado Rocha Cavalcanti, por exemplo, teve mais de sete mil votos anulados. Natalício Camboim teve 6.634 votos e anulados, por fraude, 1.195. Falaremos dele mais adiante.

Um dos que mais reclamava das fraudes era Demócrito Gracindo, pai do futuro ator Paulo Gracindo. Demócrito teve 763 votos anulados. Além dos problemas na organização, o eleitor votava sob pressão.

Em São José da Laje e Viçosa foram eleitos candidatos que nem receberam votos. Em Junqueiro o primeiro suplente de um juiz federal substituto acompanhava a eleição mesmo sem nunca ter sido nomeado como magistrado. Outras cidades tinham mesários que não foram escolhidos como mesários; fiscais votando sem serem eleitores; instalação de mesas sem que se soubesse o nome dos mesários, além de listas falsas.

O parecer da Câmara não deixava clara a participação de juízes nos esquemas, porém a quantidade de problemas detectados – até a falta de assinatura das atas – levava a crer que magistrados ou sabiam ou fingiam não saber das tramoias.

O parecer da Câmara dos Deputados anulando votos foi concluído em 6/3/1912 e, lógico, com um clima de grande insatisfação. Antes disso, porém, nas ruas de Maceió o clima era insustentável.

Em novembro de 1911, três meses antes da destruição dos terreiros, o Partido Republicano Conservador tinha apresentado o senador Araújo Góes para disputar o governo, mais tarde substituído por Natalício Camboim, aquele que também disputou vaga para deputado e teve parte dos votos anulados. Já o Partido Democrata apresentou Clodoaldo da Fonseca após Clementino do Monte renunciar à candidatura.

Ativa, a Liga dos Republicanos Combatentes escolheu seu lado. E prometia defendê-lo espalhando sangue e ódio, como veremos na próxima semana.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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