O pianista nº 53
Nascido em Rio Largo, Joel Bello Soares (1934-2024) descobriu-se músico ainda criança, no piano de casa. Incentivado pela família teve aulas com o instrumento ainda em Maceió, depois mudou-se para o Rio de Janeiro, Brasília e Paris. Depois voltou ao Brasil. Foi chamado de “pianista do sobrado”, em referência à casa onde morou em Rio Largo, um prédio de 1º andar hoje abrigando a sede do Banco do Brasil.
Em 1968 Joel era professor da Universidade de Brasília quando o regime militar apertou o cerco: fechou o Congresso, assembleias legislativas e câmaras de vereadores; baixou o AI 5; passou a criminalizar os artistas. O alagoano testemunhou a demissão de um a um dos seus colegas do departamento de música da universidade. Ele continuou professor, recebendo salário e proibido de dar aulas por dois anos. Acabou demitido como suposto subversivo do regime.
Na capital federal e sem dinheiro, Joel encontrou com o senador Arnon de Mello, também alagoano e nascido em Rio Largo. O pianista falou sobre a situação, Arnon pediu que ele esperasse três dias por uma solução. Afinal ela veio: Joel passou a dar aulas no ensino médio no Distrito Federal.
Joel teve a vida investigada pelos militares. No Serviço Nacional de Informação, o SNI, um informe confidencial – agora público – datado de 09/10/1969, incluía o pianista na lista de quem praticava “atividades subversivas na música”. Eram 69 músicos, em um documento encabeçado por Mário de Andrade, nesta época já morto, e Villa Lobos, outro grande expoente da música falecido dez anos antes. O alagoano era o de número 53. Por erro de datilografia, seu nome estava escrito como Joel Belo Braga. Mas as informações eram estas: “trazido de Alagoas, pelo Partido [comunista], Helene Lorenzo Fernandes cumpriu a determinação de trazê-lo. Levado para Paris por Madalena Tagliaferro, e, de lá, pelo grupo/comunista alemão, para a Alemanha, de onde retornou para os Seminários de Música da Guanabara e de Teresópolis. Amparado pela rede Vitor Nunes Leal, ingressou na UnB, na gestão de Miguel Arquerons. É companheiro de Wanda Oiticica, em cuja casa passou a residir. Pianista”.
Wanda, cantora, esposa de Joel e 36º nome na lista, também era fichada como “comunista e neurótica”. A Orquestra da UnB, da qual Joel fazia parte, foi desfeita. Era tratada como “aquele tipo de corrupção” e algo considerado “bem oneroso aos cofres da Prefeitura”. “Com a saída de Miguel Arquerons [professor], ingressa Joel Belo Braga [erro de datilografia], outro professor sem habilitação, da corrente vermelha alemã, e que se juntou maritalmente com Wanda Oiticica, ambos protegidos por Vitor Nunes Leal, cujas determinações seguem, sem escrúpulo, em troca de empregos acumulados”.
Enfim, parece que os militares não descobriram as conexões entre Joel, Wanda e os soviéticos. Poucos anos após o encontro com Arnon de Mello e o novo emprego como professor de Música do Ensino Médio, Joel, afinal, foi chamado de volta pela UnB. “Não encontrou nada do senhor aqui’, disseram a Joel. E foi readmitido. Professor, concertista e coordenador de eventos musicais, Joel morreu aos 90 anos em dezembro de 2024.
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