A coragem tardia dos que sempre calaram
O Estado de Alagoas decidiu interpor Embargos de Declaração contra a decisão que homologou o plano de Recuperação Judicial da Organização Arnon de Mello (OAM). Segundo a Fazenda Estadual, o juiz da 10ª Vara Cível de Maceió, Erick Costa de Oliveira Filho, teria ignorado um requisito explícito da Lei n° 11.101/05: a obrigatoriedade da apresentação das Certidões de Adimplência Fiscal para que um plano de recuperação seja homologado. Sem essas certidões, diz o Estado, a decisão não poderia ter sido proferida.
A discussão jurídica é válida e faz parte do processo democrático. A OAM, mergulhada em dívidas superiores a R$ 100 milhões, tenta desde 2019 reorganizar-se por meio da recuperação judicial. O plano foi aprovado pelos credores em 2022, mas desde então o caso coleciona contestações, questionamentos, investigações e silêncio institucional. Silêncio este que agora, subitamente, se rompe.
O Estado, que esteve presente no processo desde o início, nunca moveu uma palha para questionar a ausência das certidões. Nunca contestou a tramitação. Nunca manifestou indignação. Nunca ergueu a voz para defender o rigor legal. De repente, no apagar das luzes, ergue um discurso de legalidade tardia, como se tivesse desperto de um coma institucional de cinco anos.
E aqui começa o verdadeiro problema: não é o mérito dos embargos que chama atenção, mas o momento em que eles surgem.
Durante décadas, Fernando Collor foi um colosso político em Alagoas. Um senador influente, dono de projeção nacional e detentor de um império midiático que moldava narrativas, sustentava carreiras e ditava o ritmo da política local. Qualquer gesto contra seus interesses exigia mais que coragem, exigia ousadia institucional, coisa rara neste estado marcado por pactos silenciosos e temores profundos.
E o que fez o Estado ao longo desse período? Abaixou a cabeça.
Silenciou. Fingiu não ver. Tornou-se cúmplice pela omissão.
A máquina pública nunca ousou confrontar a força de Collor enquanto ele era senador, enquanto tinha influência em Brasília, enquanto conduzia os principais meios de comunicação locais, enquanto seu nome ainda provocava tremores discretos nos corredores do poder.
Mas o tempo sempre implacável virou a página.
Collor perdeu o mandato, perdeu projeção, perdeu influência, perdeu parte do aparato midiático que o blindava. E, curiosamente, foi exatamente nesse momento que brotaram, como flores de um inverno oportunista, os novos “valentões”.
Os mesmos que se recolhiam diante da força de Collor agora levantam a voz, batem na mesa e proclamam zelo pela lei. Os que antes temiam até sua sombra, agora se apresentam como guardiões da moralidade pública. É sempre mais fácil enfrentar quem já caiu. É sempre mais simples cobrar coragem quando o risco desapareceu.
Porque coragem real é aquela que se manifesta quando o poder é grande, quando a ameaça é concreta, quando o ato tem custo. Coragem não nasce no vácuo do poder, mas na resistência contra ele. E isso infelizmente, ninguém viu nos últimos anos.
Portanto, que se examine os embargos. Que o Judiciário faça o que é devido. Mas que também se registre, sem meias palavras, o comportamento do Estado: não é o zelo jurídico que moveu a máquina estadual, mas a oportunidade política.
E a oportunidade política, quando veste a máscara da coragem, só revela o que esses atores sempre foram: pequenos diante dos grandes e valentes apenas diante dos frágeis. A história cobra coerência e neste caso, a incoerência grita mais alto que qualquer peça jurídica
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA



