Ausência
Hoje muitos faltaram! Mas a falta mais sentida foi a sua. A livraria com seus inúmeros e interessantes personagens está fria porém aconchegante como sempre lhe pareceu. Das pratileiras nos olham o libertino Victor Hugo; o anjo travesso Gabriel; o razinza Graciliano e o bebum Dostoiévsky; todos lhe procuram e anseiam por sua presença. Sentem sua falta e de sua fresca prosa. São fiéis e velhos amigos que você deixou de um golpe e sem aviso.
Todos sentem falta de seus comentários a respeito de seus personagens. Sentem a falta que faz suas narrativas cheias dos detalhes picarescos de suas estórias.
Dona Camila, com sua estoteante beleza e eterna juventude, saiu do conto do Machado para perambular entre as estantes. Parece que não só ficou presa numa bolha de tempo como também operou a mágica de retroceder nele. Estivesse você aqui hoje para vê-la em sua fulgurante beleza, garanto, desistiria de sua desesperada partida. Compreenderia que para viver lhe bastaria apenas sorver e se deliciar com esse supremo efeito estético de Deus.
O recalcado Luis da Silva, ainda anda às turras com o presunçoso Julião Tavares por causa da querida Marina. Não tem ele a grandeza e o despreendimento que você sempre teve com as mulheres.
Os Karamazov ainda brigam entre si, numa eterna contenda que não acaba nunca, pois que circunscrita aos limites das páginas de seu intrincado romance.
Sem sua presença a livraria parece uma fantástica e fantamasgórica Macondo, onde se misturam farsantes ciganos e excêntricos Buendías. Onde todos anseiam por uma epidemia de esquecimento para, assim, esquecerem os tristes fatos que lhe vitimaram. Queriam sim, que você se tornasse um Melquíades e, como ele, tivesse muitas mortes para em troca ter muitas vidas. Ou, quem sabe, queriam que seu desparecimento fosse como o de José Arcadio Buendía, levado pelo rabo de saia de uma magrela rãzinha de pernas finas e seios incipientes.
Mas você, que num único ser reunia os dramas existenciais de todos os seus queridos personagens, viveu com a inocência e pureza de um Aliêksei, a devassidão de um Fiodor, a honradez de um Dmitri e intelectualidade de um Ivã. Porém, à falta de uma verdadeira Sônia entre as tantas imitações que teve, sucumbiu às culpas de um Raskolnikov, para, sem aviso, fugir como um atormentado e perseguido Jean Valjean, deixando em todos, a sensação de leitores atônitos e frustrados com um final de estória que não esperavam ou não quiseram; decepcionados com o cruel enredo que fez com que atinassem para o fato de que a realidade, às vezes, é mais dramática e ingrata do que as finas tramas da ficção.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA