colunista

Alari Romariz

Alari Romariz atuou por vários anos no Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa de Alagoas e ganhou notoriedade ao denunciar esquemas de corrupção na folha de pagamento da casa em 1986

Conteúdo Opinativo

Escolhas da vida

27/10/2024 - 06:00
Atualização: 25/10/2024 - 19:00

ACESSIBILIDADE


Era uma vez um menino levado, criado na Real Sociedade da Cambona, bairro central de Maceió que nos leva ao velho Bebedouro. Fazia parte da turma da Praça dos Martírios, composta de rapazes que se divertiam vendo as mocinhas passarem fagueiras, iluminadas pelo sol da juventude.

Quando criança, entrava nos esgotos da praça e saía perto do mercado. Era filho de um dentista e de uma dona de casa. Foi criado como menino da classe média. Depois de uma de suas traquinagens, o pai o levou para conhecer o Quartel do Exército, na Avenida Fernandes Lima. Vibrou de alegria ao ver os soldados trabalhando no antigo 20º Batalhão de Caçadores. Como, apesar de ser levado, sempre foi estudioso, fez concurso para a Escola Preparatória de Fortaleza e foi aprovado, juntamente com dois alagoanos. E assim, o menino danado da Real Sociedade da Cambona foi ser militar do Exército.

Saiu o garoto de Maceió para Fortaleza, onde estudou durante três anos. De lá, partiu para Resende, na Academia Militar das Agulhas Negras e, depois de estudar bastante, saiu bem classificado. Voltou para o Nordeste, e em Recife, trabalhou como oficial. Sua carreira durou trinta anos e sempre serviu em bons lugares, porque no Exército os melhores classificados escolhem o local para servirem. No fim da carreira foi aluno da Escola de Estado-Maior do Exército, onde ingressou após alguns anos de estudo.

O “velho coronel”, com oitenta e três anos, coordena agora a turma dos oitentões, formada por companheiros do Exército Brasileiro, residentes em vários estados do nosso Brasil. Atualmente, o menino levado da Real Sociedade da Cambona é um senhor respeitado, pai de quatro filhos, avô de onze netos, bisavô de quatro bisnetos e meio. Vive com sua companheira há sessenta e um anos numa boa casa de praia, alimentando-se dos telefonemas dos filhos e do sucesso dos netos.

O que levou o garoto da Cambona a ser um homem de bem foi a criação dada pelos pais e, principalmente, a base religiosa que sua mãe lhe deixou de herança. Falo, em tom de brincadeira, da Real Sociedade da Cambona, mas com o maior respeito. De lá saíram figuras ilustres de Alagoas; médicos, advogados, políticos, professores, militares, bancários.

Lembro-me de um médico famoso que operou muita gente sem nada cobrar, também menino daquele bairro. Como ainda um moço bem alto que foi governador do Estado por três vezes; de um promotor, ainda vivo, bastante conhecido, que veio daquelas bandas; de um maestro e compositor famoso, dali, que alegrou nossa adolescência com seu piano refinado.

O importante na vida de uma pessoa é ter uma infância feliz, pais que se preocupem com seu futuro e mostrem à criatura o caminho do bem. Um menino pobre, criado num ambiente humilde, pode ser um grande homem. Uma menina que estudou num grupo escolar pode se tornar uma boa profissional. Uma família bem formada, com amor e carinho pode encaminhar bem seus filhos.

Já vi muita gente estudando em colégios caros, saindo de Alagoas para grandes faculdades e não ser depois um bom profissional. Voltando ao “velho coronel” e vários amigos que foram meninos na Praça dos Martírios, eles me lembram da importância de suas escolhas. Um colega do militar, pobre e preto, foi um excelente economista e cuidou bem da família.

A lição que o menino de classe média da Real Sociedade da Cambona passou para filhos e netos foi a seguinte: estudem, façam boas escolhas, porque a herança que o pai pobre deixa para os filhos é vencer através dos estudos. Boa escolha, boa vida.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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