colunista

Alari Romariz

Alari Romariz atuou por vários anos no Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa de Alagoas e ganhou notoriedade ao denunciar esquemas de corrupção na folha de pagamento da casa em 1986

Conteúdo Opinativo

O vento Nordeste

29/01/2024 - 15:03

ACESSIBILIDADE


Em maio de 1950 fomos morar na Avenida Fernandes Lima, 382. O Farol era um bairro arborizado, cheio de boas casas, sem nenhum edifício. Naquela época não havia assaltos, nem sequestros. Apenas pequenos roubos nas casas que deixavam janelas abertas. Vivíamos com liberdade, andávamos de bicicleta pelas ruas do bairro. Frequentávamos o Convento dos Capuchinhos. Para jogarmos voleibol, éramos obrigadas a assistir às missas dominicais.

Sábado, dia de feira na Rua Santa Rita, comprávamos pipoca, amendoim, rolete de cana e paquerávamos os rapazes. Por ordem dos pais, às cinco da tarde voltávamos para casa, antes de escurecer. A bicicleta era companheira inseparável da loirinha quase adolescente.

Até 1952 ainda havia o bonde, que saía de perto da Rua Goiás até a Praça da Catedral. Lá íamos nós, alunos do Instituto de Educação, colégios Batista, Guido, Sacramento, Diocesano e São José. Os alunos de colégios públicos eram jovens pobres e os de escolas particulares se sentiam ricos. Isso não me incomodava, porque naquele momento o ensino público era muito melhor. Algumas meninas de colégios particulares vinham para o Instituto de Educação e não acompanhavam o rigor do professor Benedito e de outros docentes. Como vi num filme de TV, minha vingança era maligna.

Em 1956, meu pai precisou vender a casa do querido Farol e fomos morar no centro da cidade. Passamos por uma grande mudança, pois no ano seguinte o Instituto de Educação subiu para o Farol, fazendo parte do Cepa. Eu e minhas duas irmãs tomávamos o ônibus na Praça dos Martírios. Era cansativo. Saíamos de casa ao meio-dia e só voltávamos às dezoito horas. Mas, éramos felizes, unidas e eu era meio mãe das duas mais novas.

As lembranças levadas do Farol foram inesquecíveis, pois muito aprendi com frei Egídio, frade capuchinho, encarregado das meninas cordígeras, que me orientou na primeira comunhão.

Comecei a trabalhar muito nova, com meu pai, aos doze anos e na Assembleia Legislativa com 19 anos. Minha base profissional foi feita por frei Egídio e meu pai. Os dois me fortaleceram e me fizeram chegar no Legislativo, trabalhando até com cálculos no orçamento estadual, tendo como mentor Dr. Luiz Ferreira Pinto, contador Geral do Estado. Tive sorte na minha formação.

Como sempre fui apaixonada pelo Farol e voltei a morar por lá. Primeiro, na Vila Militar e depois perto do Hospital do Sesi, na minha primeira casa própria. Pude proporcionar a meus filhos a leveza da vida do meu bairro de infância. Ainda hoje eles falam que viram uma égua ter um bebê em frente à nossa casa. Foi uma festa e os soldados do quartel vieram limpar a área. Coisas boas e inocentes da infância.

Hoje, com 82 anos, idosa, doente, mas lúcida, tento lembrar de minha infância e adolescência. A base de nossa vida é importante e deixa boas marcas para toda a vida.

Tenho visto pessoas que tiveram dificuldades no início da vida, conviveram com mágoas e tristes recordações. No meu entender, faltou uma base sólida com pais normais e uma vida tranquila.

Vejo netos e bisnetos nascendo, crescendo, formando novas famílias. Não posso mais intervir, nem dar opiniões, mas procuro curti-los de acordo com minhas condições atuais. Deus me ajuda a vê-los crescer com uma boa base.
Estamos no mês de janeiro: tempo do vento Nordeste, das mangas caindo, da poeira sujando a varanda. O coração ferve com as recordações do Farol de 1950. Não sei se voltaremos a ver tudo isso porque a Braskem destruiu seis bairros de nossa cidade, dentre eles boa parte do velho Farol.

De uma coisa tenho certeza, ela não acabará com o vento Nordeste de minha feliz infância e de minha boa e difícil velhice.

Deus existe. Não dividem!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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