Quem nos libertará dos libertadores
Ouvindo o amplamente criticado discurso do ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, na UNE, no qual ele diz, entre outras coisas, “Nós derrotamos a censura; nós derrotamos a tortura; nós derrotamos o bolsonarismo!”, fiquei a me indagar quem seriam esse nós, referido pelo magistrado. Nós, a nação? Nós, os eleitores? Nós, a sociedade civil? Ou nós os ministro do STF? Latinista diletante, veio-me à memória a sentença do poeta satírico romano Juvenal: Quis custodiet ipsos custodes. Em uma tradição mais próxima da literalidade, “quem custodiará os custodiantes?”. Ou acepções lógicas como quem guardará os guardas? Ou mais chegadas ao interpretativo, como quem nos libertará dos libertadores? Também, quem vigiará os vigilantes?
De fato, por crer na Democracia e na separação harmônica dos poderes da República, causa-me pruridos o ativismo político da Justiça, principalmente do Supremo Tribunal Federal. Melhor dizendo, dos ministros da nossa Corte Suprema. Muitos atribuem esse aparecimento midiático dos senhores magistrados à TV Justiça, que transmite as sessões da Corte. Mantivessem-se eles apenas nos julgamentos, e no que consta dos processos, pois magistrados devem falar nos autos, apenas neles, seria plenamente aceitável e compreensível.
O extravasamento da vaidade humana nas transmissões do canal de TV até que seria também compreensível, menos aceitável. Todavia, quando magistrados se digladiam e ofendem-se, ou se imiscuem no campo político-partidário, isso desmerece a liturgia da toga, assim como a solenidade da Corte.
O que vemos hoje, porém? Magistrados de qualquer nível frequentam casas de políticos, principalmente os vitoriosos nas eleições. Opinam sobre questões eminentemente políticas. Sobressaem-se à simples divisão harmônica dos poderes.
Fugindo ao aceitável ativismo judicial, reconhecido como uma manifestação legítima das Cortes Supremas no mundo, enveredam pelo ativismo político, o que põe em dúvida a imparcialidade e a impessoalidade da magistratura. Em suma, não devem, e não podem, os magistrados participar de eventos políticos, como foi o congresso da UNE. Recebeu uma bem merecida vaia, e como soem agir os políticos profissionais, apregoou de logo que as vaias são democráticas, pois democracia é o regime dos opostos em qualquer governo. Foi mais longe: credenciou-se como protagonista do combate à censura, à tortura, ao bolsonarismo.
A contrariedade à censura e à tortura, são sem dúvidas atribuição da magistratura, mormente dos tribunais superiores. O bolsonarismo, porém, por mais execrável e repudiado pela maioria dos eleitores, é questão eminentemente política. Se o ativismo judicial já nos causa alerta, o ativismo político faz lembrar a linguagem interpretativa da sentença de Juvenal.
Nesse contexto, se a corte é suprema, quem nos libertará dos libertadores. Por certo não serão os radicais da extrema direita, agredindo ministros do STF e suas famílias. Ou desmerecendo outras autoridades. Aliás, desmerecendo qualquer cidadão por suas opiniões. Não será democrático.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA