colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

Maceió em pé de guerra

20/02/2022 - 10:10

ACESSIBILIDADE

Afrânio Bastos
Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto
Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto

A possibilidade da exploração do sal-gema de Maceió há quase 50 anos, foi cantada em prosa e verso como a “redenção econômica de Alagoas” (sic!). Cantoria desafinada e maliciosa de autoridades e políticos – que sabiam, sim, por vários documentos de consultorias contratadas que a “coisa não era bem assim”.

Cinco décadas depois aqui vão os números que empresa e políticos comprometidos escondem debaixo de 7 capas:

* O PIB do setor químico alagoano é menor 1% do PIB de Alagoas e a participação da Braskem no PIB de Alagoas é ainda menor que 1%;

* Os empregos gerados pela Braskem em Alagoas equivalem a 0,14% do total do estado.

* A empresa desde sempre gozou de incentivos fiscais (até mesmo após provocar o megadesastre que “matou” 4 bairros de Maceió, continua com o “incentivo”!).

Alagoas, um estado paupérrimo cujo Orçamento anual é de R$10 bi banca incentivos fiscais para uma multinacional que fatura R$ 100 bi/ano e, ainda por cima basicamente nada paga de imposto no Estado!
São dados oficiais colhidos do IBGE, do Site da CNI e de fonte da Secretaria da Fazenda de Alagoas. Apenas fiz umas “continhas” que a turma por aqui vem se “esquecendo” de fazer. Frise-se. Não somos contra a empresa. Somos é radicalmente a favor de Maceió. 

É preciso que os alagoanos e os maceioenses em especial, tomem conhecimento da realidade da participação da empresa na economia alagoana. Para evitar que desinformados maliciosos e a própria corporação confunda a população é o mercado com dados furados, altamente discutíveis.

Maceió está vivenciando um ponto de inflexão nas suas relações com a Braskem, que, aliás, pode vir a ter papel importante em Alagoas – torcemos por isso - mas desde que o modelo de negócio para o sal-gema que foi desenhado há 50 anos mude frontalmente. Assim como a relação institucional da empresa e dos governos de Alagoas e de Maceió que precisam ser técnicas e profissionais e transparentes. A empresa terá que ter a mesma postura que adota nos países desenvolvidos.

A Carta Aberta dos cidadãos às bolsas onde a empresa opera e aos órgãos reguladores do mercado de capitais deixa muito claro a opção escolhida por aqueles que são os donos da cidade. Ela rompeu a cortina de silêncios e medos que os impedia de reagir aos despautérios que vinham sofrendo ao longo da exploração do sal-gema nesse quase meio século. 

Foi a intervenção dos maceioenses que levou a CVM a abrir processo para averiguar as preocupações levantadas na carta e a empresa a suspender a venda das suas ações. A equação inverteu os sinais. A Braskem sabe que terá que antes equacionar o megadesastre que ela provocou. Uma conta que pode oscilar de 6 a 12 bi de reais. E as autoridades alagoanas e de Maceió já perceberam que ou se mexem em favor da cidade ou ficarão muito mal. Política e criminalmente.

Ontem a Prefeitura de Maceió pela primeira vez reagiu às arbitrariedades da Braskem suspendendo a discussão acerca do “termo de acordo para implementação de medidas socioeconômicas destinadas à requalificação do Flexal” (um sub-bairro) eufemismo que a empresa utiliza para, valendo-se de um acordo celebrado no último dia útil do ano de 2020 e na undécima hora de funcionamento dos órgãos públicos - e que precisa urgentemente ser revisto - impor suas diatribes sobre Maceió. Uma reação ainda tímida da municipalidade.

Isso por que o acordo dá poderes à empresa para elaborar plano ambiental, sociourbanístico e outros para as áreas destruídas sem qualquer intervenção dos órgãos de estado responsáveis por estas atividades, o governo de Alagoas e a Prefeitura de Maceió, ambos estranhamente ausentes do acordo celebrado com o MPF. Na real: a Braskem se apropria dos poderes constitucionais do município de Maceió e do Governo de Alagoas. Que nada fizeram até agora contra esse esbulho. O que pode ser caracterizado como anomia e até, no limite, prevaricação.

Imagine um caso concreto: o sujeito arrebenta com a sua casa; ele mesmo contrata quem vai fazer o serviço; define o que o prestador de serviços vai fazer; quanto vai custar, supervisiona o serviço, e audita sua execução. Enquanto isso os donos aqui representado pelo povo de Maceió através de suas instituições representativas legais, a prefeitura e o governo do estado, ficam de fora olhando (podendo apenas aderir ao que já está feito). Surreal.

Nesta próxima semana, terça e quarta feira, a empresa novamente valendo-se do tal “acordo” vai fazer acontecer – contra a vontade da sociedade maceioense – o que ela chama de “escuta pública” para apresentar os planos ambientais e sociourbanísticos que ela contratou junto a consultorias de fora do estado (a peso de diamante) para as áreas que ela mesma destruiu. Eliminou de vez os “intermediários” a prefeitura de Maceió e o governo de Alagoas.

Aos dois entes estatais fica reservado o papel de – se quiser - aderir ao que já está decidido, ou então dar consequência às providências administrativas para que a Prefeita da Destruição execute sabe-se lá o que foi urdido nos tais “planos”. É tudo uma enorme basófia! As “escutas públicas” (sic!) que a Braskem programou para quarta e quinta-feira, próximas, é bem o “padrão Braskem em Maceió”. Serão tão “públicas” – e cinzentas – como sempre foram suas relações com Maceió. Para que se entenda a “armação” feita, segundos após o site da empresa informar do evento, as pessoas – que estavam 100% atentas - tentaram se inscrever, mas ficavam sabendo que as 70 vagas presenciais já haviam sido “ocupadas” (sic!). Imoral.

Prefeitura e Governo do Estado precisam se posicionar quanto a esse mega esbulho das suas competências. Ou a sociedade voltará a reagir. A empresa, por sua vez, terá que entender de uma vez por todas que não mais vai fazer as coisas do seu jeito. Vai ter que mudar sua postura imperial ou ter ainda mais problemas. As pessoas já definiram que não vão à justiça. Vão para a mídia e organismos nacionais e internacionais, até que as coisas se normalizem. Sem relações cinzentas, corrupções ou similares.

O bom senso indica que o melhor a ser feito é suspender essa “escuta” e tratar com representantes indicados pela população – e não com autoridades nos escondidos de suas repartições – de como as coisas devem ser conduzidas daqui para frente. Mas a empresa mais uma vez vai tentar passar o seu rolo compressor por sobre Maceió. Pode se dar mal... 

É bom lembrar que os Golias da vida também perdem para os pequenos e indefesos Davi.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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