colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

Rompeu-se o dique da Braskem?

02/12/2023 - 11:25

ACESSIBILIDADE

Divulgação/Braskem
Centro de treinamento no Mutange foi abandonado por risco de afundamento
Centro de treinamento no Mutange foi abandonado por risco de afundamento

Desde março de 2018, data em que se consolidou o megadesastre que a Braskem provocou em Maceió (não custa sempre lembrar: o maior do mundo em área urbana), que a empresa além de insistir em negar a sua autoria tenta de todas as formas minimizar as suas responsabilidades. E para isso, de maneira acintosa, o que se viu foi a cooptação de autoridades estratégicas para se assegurar da impunidade do seu crime. Todos em Maceió sabem disso, embora a força do poder fale mais alto e nada revelem. Crimes que agora começam a aflorar para o grande público.

Passados quase seis anos do mega acidente que ela provocou, a Braskem continua “nadar de braçada” em Alagoas. A ponto de certos estamentos da justiça que agora se arvoram de justiceiros de última hora (mais antes tarde que nunca) haver concedido a ela via acordo, a “outorga” para gerenciar a destruição que ela provocou na cidade (o mesmo que entregar ao macaco o bananeiral para ele tomar conta...) através de um acordo inconstitucional que se apropria de competências de órgãos de Estado em favor da empresa destruidora.

Isso, SEM LICITAÇÃO. Pelo acordo cabe à Braskem “planejar” ações reparadoras na área que ela destruiu (sic!) pagando uma fábula de recursos que se aproxima de meio bilhão de reais para consultorias amigas e suspeitas de favorecimento pela empresa realizarem trabalhos rasos já rejeitados até, pasmem! Pela cooptada prefeitura de Maceió! Como o foram também em audiências públicas pela população e técnicos locais (atenção MPE siga o dinheiro, aí tem!).

O que chama a atenção nesse caso é que nenhum órgão de representação de classe como a OAB, os conselhos de engenharia, arquitetura, química e a academia em Alagoas, mais ligados ao problema, não deram um pio. Como calados ou tergiversantes sempre estiveram o IMA, o IBAMA, a defesa civil do município e a mídia local com raras e honrosas exceções como o EXTRA e o site 082 que sempre abriram as portas para o contraditório.

Lembremos que durante esse longo tempo pós megadesastre, TODAS as iniciativas judiciais relevantes contra a empresa impetradas pela defensoria pública estadual ou pela representação dos afetados foram sumariamente rejeitadas no âmbito da justiça federal. Que agora se apressa em “justiçar” a empresa, por conta da visibilidade midiática nacional que a emersão de uma das minas desaparecidas (faltam 4) na Lagoa Mundaú trouxe para o caso. Antes assim, que a barreira de sempre às pretensões de quem foi violentado em seus direitos pela empresa. Que sigam por esta rota. E como sugestão, revejam o absurdo e inconstitucional acordo feito com a Braskem, antes que tenham o desprazer de ver outras instâncias superiores - que já começam a se movimentar nesse sentido – fazer isso.

E a prefeitura nesse imbróglio? O leniente prefeito JHC, agora arvorado de defensor (sic!) da cidade muda radicalmente da sua posição de vassalagem à empresa e “joga pedra na Geni” da hora, a Braskem, como se as pessoas fossem idiotas, paspalhos, meros figurantes para um script degenerado que o levou a entregar Maceió à Braskem pelas 30 moedas modernas do Judas (1,7 bilhão de reais – menos de ¼ do valor do passivo da empresa para com a cidade - dos quais a Braskem de antemão se apropriou de 700 milhões de reais sem que ele desse um pio, sob o argumento que foram recursos que ela já havia gasto em Maceió.

Como se a cidade fosse obrigada a pagá-la por destruí-la!. Alô ministério público estadual: sigam a rota do dinheiro. Aí tem! No acordo-traição à Maceió e sua gente o prefeito quitou a dívida da Braskem com a capital. E fez mais: de forma surreal “doou” ruas, avenidas, praças e outros equipamentos públicos à empresa. E para que o “pacote” covarde da traição a Maceió ficasse completo, fez o município aderir ao – deixemos assim para não irmos mais longe - acordo chinfrim celebrado (no último dia do ano de 2020 e dado entrada nos últimos minutos daquele ano na justiça federal, e que nas primeiras horas do primeiro dia útil de 2021 foi sancionado via juiz de plantão). A corregedoria nacional dos MPF nunca se manifestou sobre nada disso, é preciso que se diga.

Acham pouco? Com a “merreca” restante que recebeu da Braskem, a prefeitura utilizou parte para comprar um hospital esvaziado por 266 milhões (para cotejar: o estado investiu 200 milhões na construção e equipamentos de 7 hospitais de grande porte inaugurados há pouco mais de um ano). Fui secretário de finanças dessa cidade e assevero que o município não tem a menor condição para tocar um hospital de grande porte. Vai ser mais um elefante branco.

O episódio atual da emersão de uma das minas (eram 35 das quais 5 ninguém sabe o que vai acontecer), a primeira a chegar à superfície foi a de número 18. Isso faz parte do contexto geral de incompetência técnica da empresa até para prever uma situação anômala desse quilate (ou será que sabia e guardou a informação até a undécima hora?), despreparo técnico e falta de fiscalização de suas atividades pelo órgãos responsáveis (mesmo após o megadesastre a Braskem continua a fazer as coisas do jeito e da forma que lhe aprouver) e a estranha anomia local, muita prevaricação e corrupção quase generalizada que prevalece.

A rigor, o eventual desastre que se anuncia para as próximas horas serviu para que a mídia nacional afinal parasse de minimizar o megadesastre de Maceió, muito mais grave que os de Minas Gerais (sem querer fazer comparações). E, por “quebrar” o monopólio de informações deturpadas e bem orquestradas com que a empresa manteve “abastecido” o mercado, seus acionistas, a mídia em geral, as autoridades e o povo de Alagoas e do Brasil.

Para quem não acompanha o assunto de perto basta ler as atuais comunicações da Braskem à mídia para entender o modelo anódino, insipido, de tom monocórdico, repetitivo, chato em geral para verbalizar informações inócuas e juridicamente neutras. Ler seus comunicados nos leva a parecer que estamos vivendo num mundo paralelo ao megadesastre que ela provocou, continua provocando em Maceió.

A insensibilidade da empresa e sua prepotência não tem limites. Enquanto Alagoas passa por mais situação limite provocada pela Braskem, em pleno dia 18.11 no auge da crise, a empresa realizou o “Braskem Day”, evento em que ela mostra os números e demonstrativos edulcorados para a mídia especializada e investidores. Um deboche para com Alagoas! Adivinhem o que aconteceu sobre mais um desastre iminente em Maceió?! Nem uma palavra. A empresa continua vendendo o seu peixe como se Alagoas não existisse. Mas deve cerca de 30 bilhões aos alagoanos. E tem que pagar o mais breve possível.

Aliás, talvez a maior parte das pessoas nem saibam, mas nesse exato instante enquanto uma parte de Maceió está apreensiva e a outra parte em polvorosa, a Braskem está participando da COP-28, a conferência mundial onde se discute as alterações climáticas que já ocorrem no mundo e se estabelecem metas para o controle do fenômeno. Certamente tem como objetivo vender a sua imagem de empresa ESG, aquelas que se preocupam com o meio ambiente (E) com as pessoas (S) e com a correta governança das suas operações (G). Até parece!

Resta saber agora como ficam Petrobrás e o fundo ADNOC que até este momento se fazem de sonsas em relação ao passivo de Alagoas. Acham que vão levar a Braskem na “maciota” e “depois”, sabe-se lá quando, se ajusta uma esmola para Alagoas por conta da destruição de parte significativa de sua capital pela empresa que elas querem ser as donas. O governo federal tem a obrigação de intervir nessa tentativa de lesa-estado que essas duas empresas ao que tudo indica estão se preparando para aplicar contra Alagoas. Já não chegam os prejuízos, as dores e o sofrimento de tantos, renovadas sistemática e recorrentemente por novos fatos que somente aprofundam a crise?

Chega!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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