colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

Caso Braskem: quem vai sorrir por último?

03/03/2024 - 06:00
Atualização: 02/03/2024 - 23:14

ACESSIBILIDADE


O setor de mineração tem enorme peso econômico no Brasil (corresponde a 17% do nosso PIB), além de ser o segundo maior exportador de minério do mundo, tendo faturado US$ 242 bilhões em 2023, o equivalente a aproximadamente 30% da nossa balança comercial. Como também é forte o seu poder político em nosso país (a bancada da mineração é uma das maiores do Congresso Nacional e o número de lobistas do setor, é gigante).

No entanto, um segmento tão importante para a vida nacional está eivado de práticas de suborno, influência indevida, cooptações escusas, abuso de poder econômico, financiamento ilegal de campanhas, atividades de lobby ilegítimas, desvios de recursos públicos, captura regulatória buscando o desmanche de normas socioambientais, conluio entre agentes públicos e privados para consolidar fraudes, improbidade administrativa, omissões na aprovação de licenciamentos ambientais, desinformação e disseminação de fake news em benefício próprio, advocacia administrativa para garantir a omissão do Estado, e segue. A lista é longa.

Área do Mutange teve os imóveis demolidos pela Braskem - Foto: divulgação

Muito por isso, a ANM, o organismo governamental de fiscalização das atividades de mineração no país, é “de uma enorme fragilidade do ponto de vista das suas ferramentas de fiscalização, auditoria, gestão”, afirma o TCU já em 2017. Vale lembrar que o Brasil dentre 180 países avaliados pela Transparência Internacional é o 104º colocado quando se trata de corrupção e suas irmãs siamesas citadas acima. Muito em razão do que se passa nos subterrâneos do segmento minerador no Brasil. Um péssimo sinalizador para quem nutre a esperança de mudanças neste setor.

O comportamento da Braskem em Alagoas – e aqui vamos nos referir apenas ao pós mega desastre – não passa, portanto, do padrão adotado pelo setor para se livrar das “encrencas” provocadas pelas empresas mineradoras (são dezenas de casos apenas no Brasil a cada ano, nos quais, Maceió, Mariana e Brumadinho, foram os maiores nos últimos tempos).

Basicamente todo o “elenco” de falcatruas listadas acima foi praticado pela empresa no afã de se safar do que ela até hoje chama de “incidente geológico”. (Uma ova. Trata-se do maior crime ambiental praticado em todo o planeta em área urbana em todos os tempos!).

O que são os “Acordos” que ela escreveu e levou para sanção da justiça federal? Uma coletânea de peças mal ajambradas, desequilibradas e, sobretudo, tendenciosa pró-empresa, que até qualquer aluno de direito do segundo ano saberia identificar como ilegal, inconstitucional.

O que foi o acordo-traição que ela “celebrou” com a Prefeitura de Maceió que não seja influência indevida, cooptação escusa, abuso de poder econômico, atividades ilegítimas de lobby e do lado da prefeitura, anomia, prevaricação, improbidade administrativa e tantos outros crimes mais?

O que foi o tal do “programa de compensação financeira” que ela engendrou em conluio com autoridades municipais que incluiu apenas 37% dos moradores residentes no perímetro do mega desastre, deixando de fora mais de 95 mil pessoas afetadas pelo evento criminoso?

Programa que ela – mentirosamente – vende para as autoridades do mercado de capitais, para os seus acionistas e para as autoridades deste país como se “aquilo lá” fosse o real problema que ela já resolveu, uma vez que 99,5% de adesão seriam o que ela diligentemente “compensou”.

Mentira!

Mesmo os ex-moradores das áreas destruídas estão aí nas ruas pleiteando uma indenização justa dos seus danos morais. Que ela se nega peremptoriamente a sequer cogitar de pagar. E o que dizer dos mais de 5 mil moradores de baixa renda que não foram incluídos por conta de um laudo tendencioso que não resiste a uma perícia técnica e que carregam nas suas costas o peso desta infame covardia da empresa e das autoridades municipais coniventes com este abuso e com a ilegitimidade da postura da Braskem?

O que se pode pensar quando a Braskem engana os ex-moradores e as autoridades de justiça locais (e fica por isso mesmo) ao transformar o que seria uma compensação financeira pelos prejuízos sofridos pelos moradores da área mais afetada em uma transação de compra e venda dos imóveis o que a torna “proprietária” da área que ela destruiu? (para tentar enganar os incautos, o discurso dela agora é que a área somente poderá ser utilizada comercialmente “se o Plano Diretor da Cidade permitir”). Kkkkkk. Canalhice pura!

E o que dizer do dolimento da Mina 18 que dias antes a empresa reportava como “tudo normal” em seus relatórios às autoridades e, apenas na undécima hora quando ficou impossível esconder o desastre é que ela comunicou na sua linguagem enviesada de sempre que a mina 18 (uma das “desaparecidas”) poderia via a dolinamento? Que ninguém sabia exatamente o que era e causou um estado máximo de desassossego na população de Maceió. Mais uma vez a empresa manteve o seu perfil de mentir, tergiversar, esconder informações na tentativa malsã de minimizar o que causou e continuar a enganar a todos, população e autoridades e órgãos de fiscalização.

E o que ela não diz das 4 minas “desaparecidas”? Há mais de três anos que a Braskem afirma que vinha preenchendo as cavidades das minas destruídas e somente agora se fica sabendo que menos de 5 delas foram efetivamente conclusas. O que falta para mandar prender os responsáveis por esses crimes e abusos intoleráveis? O que falta para a justiça sancionar de uma vez por todas a Braskem por conta da miserável situação em que ela deixou Maceió e afetou a toda Alagoas?

E a presença ilegal e criminosa do complexo químico de grande porte com que ela mantém reféns outras 150 mil pessoas que moram no seu entorno? E o número que não me atrevo de divulgar para não criar ainda mais sobressalto na sofrida população de Maceió? É preciso que a população saiba – e já o dissemos aqui várias outras vezes- que no caso de um desastre de grande porte no Complexo da Braskem, a nuvem rastejante de cloro pode alcançar (embora em menor intensidade) até 3 km de distância da fábrica plantada irregularmente no coração de Maceió...

Falar do mega desastre que a Braskem provocou em Maceió sitiando uma área onde vive mais de 250 mil pessoas em 11 diferentes bairros (22% dos bairros da cidade) ou do sítio que ela impõe diretamente aos moradores de outros 10 bairros de nossa Capital situados no perímetro do Complexo (20% dos bairros da cidade), é dizer que a Braskem sitiou 42% (praticamente metade de nossa Capital) com o mega desastre e pela ameaça potencial do Complexo químico do Pontal da Barra. Nem mesmo o Dali seria capaz de construir uma realidade tão surrealista e em tal grau de absurdeza.

Bizarro. Kafkiano. Criminoso!

E o que dizer da CPI da Braskem criada, viabilizada e instalada por esforço único do Senador Renan Calheiros para esclarecer os fatos acima nominados e outros mais, ainda mais “cabeludos” que numa manobra de bastidores deixou-o de fora da relatoria e/ou da presidência da mesma? Alguma dúvida de como ela agora vai acabar? Uma pizza para quem adivinhar...

É hora de Alagoas e dos afetados compreenderem que pela via da justiça local nada conseguirão, serão esforços debaldes. O histórico dos últimos anos mostra isso com rara clareza.

Então o que sobra para fazer? Bom, há saídas. E não é uma só.

Existe um ditado que diz que ri melhor quem ri por último...

No prefácio do nosso livro (esgotado) Rasgando a Cortina de Silêncios. O lado B da exploração do Sal-Gema de Alagoas, citamos a socióloga Margareth Mead que disse: “Nunca duvide que poucos cidadãos comprometidos com os seus semelhantes não possam mudar o mundo”

Quem vai sorrir por último?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


Encontrou algum erro? Entre em contato