É preciso de uma nova concertação
Então, fiquemos assim para não irmos mais longe: o que está nos levando enquanto país a uma PEC da bandidagem ou da impunidade ou que nome se queira dar a esse mostrengo-rebotalho? Saído das entranhas do indefectível Centrão, ela teve os votos da extrema direita bolsonarista, da direita, da esquerda e do PT (que a mídia protetoramente afirma ser um voto envergonhado quando todo mundo sabe que o PT só faz o que Lula manda. O governo está envolvido até o pescoço nessa bagaceira promovida pela Câmara.
Ainda bem que vozes sensatas no Senado Federal se insurgiram alinhadas com a revolta dos brasileiros por mais uma estocada – aberrante – contra a democracia, as instituições. O Senador Renan Calheiros teve o mérito de saia na frente e jogar o balde de água fria na fogueira construída pelos deputados aloprados sob a orientação de outro alagoano, o Deputado Artur Lira via seu mamulengo presidente daquela casa.
Logo em seguida, vozes potentes daquela casa revisora também se manifestaram contra a safadeza, até tornar o ambiente para qualquer pressão extremista e/ou dos corruptos da Câmara, inviável no Senado. A tendência é que a PEC feneça por falta de ar, de apoio político mínimo à sacanagem que bandidos queriam mais uma vez impor goela abaixo dos brasileiros. Desta feita foi demais e o copo transbordou. Não dá sorver esse líquido-fel putrefato.
É preciso entender, no entanto, por que chegamos a esse ponto. Essa, sim, a questão de fundo que deveria nortear os debates em torno dessa e das demais questões que este país não pode mais empurrar de barriga.
A ausência de um debate nacional sobre os temas estruturais e estruturantes tem emperrado por anos e anos evoluirmos sobre questões centrais, vitais mesmo, sem o que vamos continuar chafurdando na lama do subdesenvolvimento e/ou no pântano da armadilha da renda média, como desigualdade, miséria, injustiça, a perda da janela demográfica, a nossa rasíssima educação, a temida saúde que todo brasileiro que depende do SUS (uma excepcional inciativa deturpada ao longo dos anos, até virar o paraíso das sinecuras, de hoje) se vê obrigado a bovinamente enfrentar todos os dias.
E tantos outros temas que já cansamos de apontar: reforma tributária (estamos parindo uma catita deformada e mal formada), a reforma da previdência (outra catita que após 5 anos está levando – como todos os analistas avisaram à época da aprovação pelo Congresso - as contas da previdência (outro antro que tem que ser devassado) a explodirem de novo. Um doce sobre quem vai recair mais encargos...
A reforma trabalhista insatisfatória mas que, mesmo assim, vem sendo corroída por dentro pela máquina da injustiça do trabalho (que os congressistas não tiveram peito de fechar, a pocilga), ou a reforma administrativa, a que nunca sai, e quando sair, será outra catitinha, tal os interesses ali envolvidos.
A PEC da blindagem, as escrotas emendas parlamentares sem necessidade de comprovação (razão principal para os deputados terem tentado impor ao país a tal PEC, com medo da visita as 6 da manhã da PF a mando do STF), são subproduto malfazejo do esgarçamento do nosso tecido político-social e a mais clara manifestação de como o corporativismo tocou conta dos agentes públicos. No Congresso, no judiciário e no executivo. E nos estados e municípios.
A erosão da legitimidade dos três poderes nos três níveis tem sido uma construção (sic) coletiva paulatina, constante e insidiosa que vem produzindo como resultados a depravação dos poderes e dos costumes, graças à leniência aos malfeitos dos agentes públicos.
O acordão para anistiar os golpistas de 8/1 antes mesmo de haver um texto a ser discutido, está aí para não nos deixar mentir sobre algo de extrema gravidade que, no entanto, vem sendo tratado como um frugal lanche de mamão com açúcar. Não é. E o Senado precisa recolocar esse debate no devido lugar: no lixo
É preciso pautar uma nova agenda para o país. E urgente. Nesse sentido, basta ver a dificuldade com que o STF (e os demais setores da justiça) está tendo no sentido de 1) Refluir da sua posição ativista; 2) Fazer o que é o seu papel : ser o guardião da Constituição, e 3) acabar com decisões individuais e voltar para o que nunca deveria ter deixado de ser, de âmbito colegiado(todos estão vendo há anos o que está ocorrendo nos corredores daquela casa... E não é por causa do Xandão.
Desde Bolsonaro, o articulador do golpe de estado frustrado, que o sistema de governo- por obra e graça da sua irresponsabilidade criminosa – deixou de ser presidencialista, para de fato se tornar uma coisa invertebrada de um parlamentarismo sem primeiro ministro. Com medo de ser impichado pela criminosa performance durante a pandemia, sob ameaça do Centrão entregou-lhes a chave do cofre. E junto o poder de governar. Hoje, o presidente é uma figura desmoralizada que não pode quase nada. O Congresso usurpou-lhe os poderes.
Por outro lado, o sistema proporcional de voto já demonstrou a que veio: dissociar os interesses nacionais, somente atendidos quando a pressão se torna grande demais para serem desconsideradas – como agora com a PEB da bandidagem.
O parlamento sugou das veias dos brasileiros 150 bilhões de reais nos últimos 5 anos através das mafiosas “emendas”; A representatividade das duas casas nunca foi de tão má qualidade. Pululam de bandidos e mafiosos (alguns já falam em 25% dos parlamentares); Há, claro, as raras exceções de sempre, mas o comportamento da Câmara na indefensável PEC da Impunidade, atesta a completa desconexão daquela casa com a realidade do país.
Enquanto o crime organizado demonstra seu escárnio com a lei, executando figuras-chave da segurança pública em plena luz do dia, a Câmara Federal manda às favas todos os escrúpulos e se empenha em uma ação de "salve geral" para a classe política.
O contraste entre a urgência das demandas públicas e da Nação e a atuação dos parlamentares é gritante. Precisam cuidar para esse divórcio não virar litigioso. E aí, adeus boquinhas e proteções espúrias.
A insurreição da sociedade, que hoje ecoa nas ruas, é o sinal mais claro de que a Nação não suporta mais o jogo de interesses que avilta as instituições. É imperativo que as vozes responsáveis — das ruas, das universidades, do setor produtivo, e os segmentos responsáveis do meio político — se unam em uma grande concertação nacional.
O Brasil precisa de um pacto para restaurar a decência, a ética e a seriedade em sua representação. Chegou o momento de exigir que as autoridades nos três níveis de governo, enfim, tomem vergonha na cara e comecem a trabalhar em prol do povo, e não de si mesmo. A salvação do país reside na capacidade dessas forças de se rearticularem em torno de um único propósito: o Brasil.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA