É professor adjunto da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e cirurgião especializado em cirurgia digestiva. Graduou-se em medicina pela Ufal (1980) e é mestre em gastroenterologia cirúrgica pela Escola Paulista de Medicina/Unifesp. Atua como docente e cirurgião na área de cirurgia digestiva da Ufal.

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Competência médica e seu ensino no momento atual

19/12/2025 - 08:50
Atualização: 19/12/2025 - 08:55
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Texto de Rozângela Wiszomirska – médica e profa. Da Ufal

O Brasil vive uma expansão expressiva no número de escolas médicas, impulsionada pela intenção de ampliar o acesso a profissionais de saúde em todas as regiões, especialmente no interior e em áreas remotas. No entanto, esse crescimento acelerado levanta uma dúvida essencial para a sociedade: estamos garantindo que esses futuros médicos, formados em contextos tão variados, desenvolvam a competência necessária para oferecer cuidado seguro, resolutivo e humanizado em sociedades carentes e remotas? Esses jovens e futuros profissionais, após conseguirem financiar o curso de medicina, irão espontaneamente trabalhar onde é necessário?

A competência médica é um conceito amplo, que reúne conhecimento científico sólido, habilidades práticas, comunicação clara, sensibilidade ética e capacidade de tomar decisões responsáveis diante de situações complexas, com base numa medicina ética, científica e fundamentada em evidências.com Um médico competente não apenas diagnostica e trata; ele acolhe, escuta, orienta e compreende o contexto social e geográfico no qual seus pacientes vivem, onde milhões de pessoas dependem integralmente do Sistema Único de Saúde (SUS).

A abertura de novas escolas, muitas vezes em regiões que historicamente carecem de médicos, buscou reduzir a desigualdade na distribuição de médicos. A lógica parecia simples: formando médicos em localidades do interior, seriam aumentadas as chances de que eles permanecessem ali após a graduação. De fato, há evidências de que a formação local favorece a fixação. No entanto, apenas multiplicar escolas não assegura que os profissionais se sintam preparados – e, muito menos, que ofereçam atendimento de qualidade proporcional às necessidades da população.

Para que essa estratégia realmente funcione, é indispensável que a expansão venha acompanhada de investimentos robustos na formação baseada em competências. O estudante precisa aprender em ambientes clínicos reais, com supervisão adequada, infraestrutura consistente e metodologias que estimulem raciocínio clínico, tomada de decisão e autonomia. Sem isso, corre-se o risco de gerar uma sensação falsa de solução para a escassez de médicos, quando na verdade se criam profissionais com formação fragilizada. Metodologias ativas, simulação realística, contato longitudinal com a comunidade e integração ensino-serviço são ferramentas essenciais para garantir que o estudante compreenda as especificidades de cuidar em áreas remotas. Nesses locais, muitas vezes o médico está mais isolado, dispõe de menos recursos diagnósticos e precisa exercer múltiplas habilidades para atender diferentes faixas etárias e agravos. A formação deve prepará-lo para esse cenário, não apenas para os hospitais altamente equipados dos grandes centros.

Garantir competência médica é também uma estratégia de justiça social. Não basta distribuir médicos proporcionalmente à população; é preciso distribuir médicos bem formados, capazes de atuar com segurança onde quer que estejam. A expansão das escolas só cumpre seu papel quando acompanhada de qualidade, responsabilidade e compromisso com o direito universal à saúde.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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