O desafio sobre-humano da Medicina em tempos de crise
A medicina é, talvez, o ofício mais universal da humanidade, presente em cada quadrante da Terra, de comunidades indígenas a metrópoles globais. É uma profissão que lida com a dor e a fragilidade humanas, um desafio que, por si só, já é sobre-humano. No entanto, a nobreza da missão contrasta, muitas vezes, com uma realidade dura e complexa, que mistura a desvalorização histórica da profissão, a pressão social e um mercado de trabalho saturado e precarizado.
Historicamente, a origem da medicina, em que o doente era exposto na praça pública e cada transeunte sugeria um remédio, parece ter, sociologicamente, empurrado a categoria para uma remuneração que, muitas vezes, pode ser descrita como vil, especialmente na rede pública. O médico, o profissional a quem confiamos nossa vida, muitas vezes se vê obrigado a correr de plantão em plantão para conseguir um salário razoável, num ritmo exaustivo que compromete a qualidade de vida e a saúde mental. É a sociedade do cansaço e da transparência(Byung Chul Han), se autoavalia tanto que se exaure.
Este cenário é agravado pela avalanche descontrolada de escolas médicas, que formam milhares de novos profissionais anualmente sem a devida absorção pelo mercado de trabalho. Apenas Alagoas, como mencionado, forma seiscentos médicos por ano. O resultado é a precarização, a pressa, o açodamento, e uma pressão social para que todo médico ostente um status elevado, o que nem sempre corresponde à sua realidade financeira e profissional.
Afora a pressão do complexo médico-hospitalar e industrial, movida pelas regras de mercado, como denunciaram Ivan Illich (“A expropriação da saúde”) e Jayme Landmann (“O outro lado da medicina”), que transforma a saúde em commodity e pressiona o profissional a produzir mais, a todo custo.
O ápice desta crise sistêmica e silenciosa foi noticiado recentemente, com a trágica morte por suicídio de nove médicos em Pernambuco num único mês. Um alerta que não podemos ignorar. A medicina, a arte de cuidar da vida, está adoecida. É urgente repensar a formação, a remuneração e, acima de tudo, cuidado com quem cuida. Pois ter a dor como ofício não deveria ser, jamais, ter a dor como destino
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA



