Noel, Strauss e Aldemar PaivaNOEL, STRAUSS E ALDEMAR PAIVA
Sempre me senti nostálgico na época natalina. É o momento propício para se refletir sobre tudo o que nos cerca, família, amigos e, principalmente, aqueles que ainda não conseguiram o mínimo de dignidade e, mais grave, perspectiva de vida. A comemoração do nascimento de Jesus Cristo deve servir para essa reflexão. Se o Papai Noel interfere e leva-nos a esquecer esse foco, devemos, de modo próprio, começar a usá-lo em benefício dos que esperam tal atitude.
Quando, em 24 de dezembro de 1951, em Dijon, na França, em protesto pela americanização dos festejos natalinos, padres enforcaram e queimaram um boneco do Papai Noel na frente de crianças de um orfanato, o antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908-2009), um ano após, escreveu o brilhante ensaio “O Suplício do Papai Noel” (Cosac Naify) onde ressalta que “Não se trata de justificar as razões pelas quais as crianças gostam de Papai Noel, e sim as razões pelas quais os adultos o inventaram” e que, enquanto creem no velhinho, “elas nos ajudam a acreditar na vida”.
Se cremos em céu e inferno, sem que nunca os tenhamos visto, por qual motivo as crianças não podem acreditar em Papai Noel? O problema é que, diferentemente do céu e inferno, sem testemunho de sua existência, o âmago da questão do bom velhinho está em, conhecendo-o, esperar e não receber. E são muitos os que esperam e não têm esse retorno. Veem que ele existe, mas não para seu deleite. Multiplicam-se as histórias contadas por essas crianças.
Aldemar Paiva (1925-2014), em seu “Monólogo do Natal”, é contundente quando afirma, em nome de uma personagem, a descrença nessa figura. “Eu não gosto de você Papai Noel”, passa toda frustração de uma criança que espera dele o que não recebeu. Seu pai, sabedor de que pedira um brinquedo, não podendo comprá-lo, rouba do filho de seu patrão. Descoberto, retorna à casa, leva o brinquedo de volta e vai preso. Só adulto, o garoto descobre o motivo do desaparecimento do genitor e diz: “Também não gosto desse papel de vender ilusões à burguesia”. Infelizmente, continuamos a vender essas ilusões a quem por elas tanto esperam.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA