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Odilon Rios

Odilon Rios é jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

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Miséria do milionário

30/11/2024 - 06:00

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Famosas são as terras por onde passaram Zumbi dos Palmares e Jorge de Lima. União dos Palmares carrega histórias que o tempo ajudou a temperar com o sabor da criatividade do povo, apesar de reais.

Basiliano Olíbio de Mendonça Sarmento era um riquíssimo agiota, dono de terras, joias, prataria, dinheiro. Nunca casou, não teve filhos. Tadeu Rocha, ao escrever sobre sua história no Diário de Pernambuco em 8/3/1970, insinua que aquele homem solitário vinculado a cifras e de bolsos cheios não queria dividir com mais ninguém suas preciosidades.

Em União não vivia como um próspero capitalista. Até vestia-se bem, mas comia mal. Ao final da vida, era cuidado por dona Joventina. Um dia preparou-lhe ovos com leite, temperados com canela e açúcar. Basiliano adorou:

- Nunca comi uma coisa tão gostosa e barata.

Uma comadre de Basiliano, muito pobre, levou a afilhada também sem nada para pedir-lhe ajuda. E fazendo jus a sua fama, conhecida e odiada, sacou do bolso duas moedas de pouco valor.

Nascido em 1845, começou a trabalhar como sacristão da freguesia de Santa Maria Madalena, na cidade. Ali já emprestava dinheiro a juros de 2%. Comprou as primeiras terras na propriedade Água Fria (18 km de União) até formar, mais tarde, a Ilha Grande, que aparece no romance O Anjo, de Jorge de Lima: 2.400 hectares.

Ao longo da vida, estima-se que Basiliano acumulou 50 mil hectares – área equivalente ao tamanho de Maceió. A agiotagem cresceu tanto que ele acumulou, em uma única vez, 2.600 promissórias. Se fosse um município, sua fortuna seria a terceira maior receita de Alagoas.

O tempo passa para todos, a vida pede passagem e, ao final, descobrimos que não podemos levar a riqueza material. E, no caso de Basiliano, obsessivamente buscada e acumulada.

Antes de morrer, muitos invadiam sua casa depredando o patrimônio, levando o que podiam. Um dia encheram uma bolsa com todo o dinheiro que as mãos podiam carregar. Jogaram por cima de uma cerca, atingindo em cheio um homem que aliviava a dor de barriga, no mato. Espalhou-se outra fama: até de cócoras herdaram alguma coisa do avarento.

Basiliano morreu em 23/3/1931. Diziam que tinha tanto dinheiro que encontraram uma botija enterrada na praia de Riacho Doce, em Maceió, com uma parte das joias que teriam pertencido ao espólio do falecido.

E veio o impasse: quem ficaria com o dinheiro, se ele não tinha herdeiros? O governo avançou na botija. Toda a prataria, moedas e joias foram acumuladas em dez caixões, levados de trem a Maceió e depositados no Tesouro Estadual.

Surgiu um parente, em quarto grau, e a disputa foi parar na Justiça. Ganhou a herdeira, que morreu logo e o dinheiro foi para o filho.

Sem parentes e sem amigos, o enterro de Basiliano teve o discurso do jurista Guedes de Miranda. Ele prometeu guardar o agiota nas lembranças:

- Eu te conservo na memória, como as conchas se conservam cheias no fundo do oceano.

Poucos lembram das conchas. Basiliano só virou nome de praça.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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