Os fantasmas se divertem
Naquele janeiro de 1979, um dos maiores desafios de Guilherme Palmeira ao assumir o Governo de Alagoas era promover cortes na máquina estadual. Ele precisava de respaldo da União, buscando empréstimos a fundo perdido, para azeitar a administração. E tinha de mostrar um mínimo de responsabilidade na gerência das contas. Palmeira assumia a gestão pós passagem de Divaldo Suruagy. A situação era caótica. Mesmo assim, proibiu assessores de criticarem publicamente o aliado. A Telesa (Telecomunicação de Alagoas, estatal que cuidava do setor de telefonia) enviou aviso de corte para as secretarias. Motivo: falta de pagamento.
Mas uma das medidas mais duras era cortar salários dos muitos privilegiados que o governo amamentava. Amigos do governador ou secretários acumulavam empregos na máquina pública. A partir de agora tinham de escolher trabalhar num único lugar, garantindo que isso não incharia a fila dos desempregados. Lógico, era um deboche: ao assumir esta medida, Palmeira admitia que Alagoas pagava salários a fantasmas e a pessoas que não precisavam estar ali. E o governador não tinha outra saída: ou demitia quem não existia ou o dinheiro federal nem passaria pela porta do Palácio do governo. Estimava-se economia mensal de Cr$ 12 milhões/mês apenas com esta medida.
Um esquadrão da morte agia como um estado paralelo. Matou ao menos 320 pessoas entre 1974 e 1978. Um banho de sangue, turbinado pela ditadura militar à caça dos inimigos do regime. Lógico: não se poderia ignorar que o silêncio do Estado era, também, conivência. Policiais participavam dos atentados. O alvo era o mesmo: maioria pobre, negra, analfabetos. O coronel José de Azevedo Amaral, que era secretário de Segurança na gestão Suruagy e escolhido por Guilherme para permanecer no cargo, entregou a carta-renúncia um dia depois da posse de Palmeira. Era o quarto secretário a pedir demissão. Mais à frente, voltou atrás e permaneceu no cargo. A família Amaral tinha poder no interior e foi até ventilada a ter o coronel do Exército como vice de Guilherme. Não aconteceu, mas a influência dos militares era explícita. O jornalista Noaldo Dantas, convidado a assumir a Secretaria de Esportes, Turismo e Cultura, foi desconvidado porque fez críticas aos generais Figueiredo e Golbery do Couto e Silva, ambos presidentes da República.
Pela primeira vez, um governador escolhido indiretamente pela ditadura seria empossado sem a presença da oposição. De fato, havia um clima fúnebre: Guilherme resumia naquele instante o fracasso da passagem da Arena na gestão estadual. Por isso, o MDB, ao se negar a participar da cerimônia de posse, também enviava recado ao novo governador: ele nascia podre. Sete dos 21 deputados, todos do MDB, decidiram em bloco e liderados por Alcides Falcão comunicar ao presidente da Assembleia, José Tavares, não acompanhar a cerimônia. Decisão inédita em posses de governadores escolhidos indiretamente, todos com a oposição em plenário: Lamenha Filho, Afrânio Lages, Divaldo Suruagy e Geraldo Mello. E a Arena também não estava unificada: tanto que só o senador Luís Cavalcante e o deputado federal Albérico Cordeiro acompanharam a posse de Guilherme.
Guilherme, nos discursos, lembrou que o pai Rui Palmeira tentou se eleger duas vezes governador de Alagoas. Sem sucesso. Logo depois, a festa popular do novo governador, em frente ao Palácio Floriano Peixoto, teve distribuição de bebidas de graça, samba e atrações artísticas. Dentro do Palácio foram três mil convidados, artistas de televisão contratados com cachê e três mil quilos de comida, consumindo 100 milhões de cruzeiros, segundo denunciou o jovem deputado estadual Renan Calheiros, enquanto 10 mil pessoas estavam desabrigadas por causa das enchentes à beira do Rio São Francisco e a seca.
Os prefeitos também reclamavam da situação no interior: faltavam médicos, água, energia elétrica, além de estradas pavimentadas, telefonia, maternidades e escolas. Ao mesmo tempo, o governo projetava na Salgema “toda a esperança do governo alagoano em alcançar uma independência econômica do setor canavieiro”. A festa era cara, paga pelo povo. Para comemorar, afinal, o quê?
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA