colunista

Alari Romariz

Alari Romariz atuou por vários anos no Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa de Alagoas e ganhou notoriedade ao denunciar esquemas de corrupção na folha de pagamento da casa em 1986

Conteúdo Opinativo

Os mortos vivos

25/09/2023 - 16:31

ACESSIBILIDADE


Cheguei à triste conclusão: quando o brasileiro faz oitenta anos, sai do sistema. Fui à Caixa Econômica para resolver um problema no aplicativo. A moça foi muito solícita, explicou tudo e perguntei como ia meu Cheque Especial. “Vai bem”, disse ela. “Não pode aumentar”. Indignada, perguntei por que? Bem baixinho ela respondeu: “Por causa da sua idade.” Então, fiquei sabendo que, após os oitenta, você nada pode fazer em sua conta bancária: empréstimo simples, empréstimo consignado, aumentar o cheque especial. Só pode manter a conta na instituição. Na área de saúde, há determinados exames que, para fazer, você precisa ser internada.

Diz o médico: “Na sua idade, precisamos tomar certos cuidados. A senhora está acompanhada?” Outro dia, tentei visitar um amigo num hospital e fui barrada. “Na sua idade”, disse o moço, “não é bom entrar em hospital”. Decepcionada, liguei para o amigo e avisei. Recentemente, fiz uma viagem a São Paulo. Minha filha pediu a um casal de cunhados: “Tome conta dos meus velhinhos”. Cheguei em Ribeirão Preto e na casa de uma sobrinha, todos estavam avisados. Tomei xarope na boca por causa de uma gripe. Foi bom demais! Uma das boas coisas de ser idoso são as prioridades, mas de vez em quando, alguém reclama.

Nas eleições, um jovem gaiato ficou irritado porque passei na frente dele. Falei: “Vamos trocar de idade?” Ele se recusou e teve que esperar. Ainda há quem não respeite as prioridades. Estava numa empresa pública e a atendente, toda serelepe, se ocupava com várias pessoas. Perguntei pelas prioridades e ela, irônica, respondeu: “A senhora é a próxima”. Em consultórios médicos não há prioridades; é pela vez de chegada. Normalmente, ele, o médico, chega tarde e os idosos ficam esperando. Procuro conversar com os atendentes e explicar a Lei dos Velhinhos. Não adianta, é pela vez de chegada. Já vi idoso passando mal por estar ansioso e sem ter se alimentado. Visitamos Aparecida! Precisava passar por lá e “conversar” com Nossa Senhora. Nunca vi tanta gente junta. A igreja é linda! Na loja do subsolo, vi um caixa sem ninguém. Era o caixa prioritário.

Sem aviso, se o idoso não perguntar, enfrentará uma longa fila em outro caixa. Uma das coisas que mais me incomoda, como idosa, é ver as pessoas falando de você, como se você não existisse. Estávamos falando de ronco e alguém perguntou se meu marido usava aparelhos durante o sono. Respondi que ele já tinha feito todos os testes e não precisou. Nisso, um parente acrescentou: “Ele ronca; ela é que não ouve”. Precisei explicar tudo outra vez. Sempre digo a meus filhos: Não saio mais do Brasil. Bate a insegurança, os aeroportos são longos, nem sempre o atendimento é bom, meu marido não pode pegar peso. Tenho vários netos morando no exterior, mas não tenho mais coragem de ir visitá-los. Contento-me com os retratos e o FaceTime.

Quanto mais vejo cidade grande, mais fico insegura. Paripueira me basta. Uma prima que mora na Avenida Paulista disse-me: “Estou com inveja de você: mora perto do mar, vê a natureza, vê gente”. Achei graça, mas não deve ser verdade. No Brasil, idoso não é devidamente respeitado e vai perdendo seus direitos. O banco aceita sua conta, cobra taxas, mas não lhe concede vantagens. Nos hospitais não pode ser acompanhante, não pode fazer visitas. Nas filas, precisa dizer que é velho para usufruir das prioridades. Graças a Deus, eu e Rubião estamos lúcidos, vamos a médico, dentista, ao banco, ao shopping, administramos nossas vidas. Ainda agradecemos a Ele todos os dias, por nos dar um fim de vida quase saudável, recusando-nos de ser tratados como mortos-vivos! E viva o idoso!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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