colunista

Alari Romariz

Atuou por vários anos no Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa e ganhou notoriedade ao denunciar esquemas de corrupção na folha de pagamento da casa em 1986

Conteúdo Opinativo

As cruzes da minha vida

08/11/2025 - 06:00
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Aprendi com os mais velhos que Deus só nos dá a cruz que podemos carregar. O primeiro e maior susto que passei foi a morte do meu filho João. Olhei para o céu e perguntei a Deus como poderia carregar tão grande cruz. Lembrei-me, então, que tenho mais três filhos, netos e bisnetos. Preciso continuar a viver e curtir os que ficaram. Ainda hoje, três anos depois, penso nele todos os dias.

Profissionalmente falando, desde que entrei na Assembleia, com 18 anos, sou perseguida, rebaixada, tenho salário cortado. Vou reagindo, peço ajuda à Justiça e sobrevivo, com um grande peso nas costas. São mais de setenta anos de luta e os dirigentes não desistem de perseguir a velha senhora de 84 anos. Parece, até, uma doença.

Há alguns anos sofri, com minha família, um acidente de carro. Fomos atendidos pelo Samu, que nos levou a um hospital. Lá, um jovem médico, recém-formado, foi muito grosseiro conosco. Até tapa deu em minhas costas. Reclamou na Justiça, ganhou e ainda tive que pagar pelo péssimo atendimento. Como sou dura na queda, resisti, paguei e estou viva. A justiça de Deus resolverá o caso.

Com quatro filhos e sendo assalariados não é fácil. Moramos em vários estados, as crianças estudavam em colégios particulares, levávamos uma vida de classe média. Havia meses em que meu salário só dava para pagar o colégio dos filhos. A cruz foi pesada, mas carregamos a dita cuja com serenidade. Conseguimos levar os quatro rebentos ao nível superior. Hoje todos são independentes e revivem tudo o que fizemos, isto é, criam os filhos com dignidade. Repassamos para eles a pesada cruz que é formar uma família.

Os percalços são pesados: problemas familiares, doenças em família, parentes que se afastam, mas a velha senhora, hoje com 84 anos, aguenta as pancadas e vai sobrevivendo.

Depois de madura, resolveu a loirinha do Instituto de Educação ser sindicalista. Bom demais. Junto com alguns amigos, deixou para os companheiros do Poder Legislativo um belo patrimônio. Levou pancadas, fez inimigos, mas continua lutando pelo bem-estar dos companheiros. Apesar de ser inativa, acompanha as eleições do Velho Sindicato.

Como nem tudo na vida são flores, surgem problemas de todos os lados: familiares, profissionais. E ela, a velha senhora, vai tentando resolvê-los e nem sempre é compreendida até pelo velho companheiro. Mas ela resiste, sofre, leva pauladas, mas sempre se levanta.

O pior de tudo são as doenças que aparecem na idosa: diabetes, pressão alta, hepatopatia e outras mais. São muitos remédios, laboratórios, longas noites de dores, sofrendo calada, pouco reclama. Tenta fugir de picadas de insulina, idas a consultórios, mas não consegue. Encontra amigos que dizem: “Você está ótima”. Não sabem o que se passa lá por dentro. Cruz pesada, mas suportável.

Como o casal envelheceu, as dificuldades crescem, os mais novos nem sempre entendem. Eles, os velhinhos, deixam de ser prioridade um. Vivem em sua casa, curtem o mar e a lua de Paripueira e tentam ser felizes. A velhice trouxe a sabedoria. Os olhos ficam fracos, as pernas cansadas, mas a lucidez ajuda a entender melhor a vida. Descobrem que têm muitos amigos, procuram reuni-los, conversar com alguns e esquecer outros. Os filhos acompanham o envelhecimento dos pais. Uns de perto, outros de longe, mas ele, o velho casal, não se sente só. Não sofre com problemas financeiros e consegue dormir em paz.

E, assim, entende o que dizem os mais velhos: “Deus dá a cruz que podemos carregar”. Ele existe. Não duvidem!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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