colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

Cavalo selado é para ser montado

17/03/2024 - 07:38
Atualização: 17/03/2024 - 11:27

ACESSIBILIDADE


Em qualquer negociação é central buscar entender os pontos fracos “do outro lado”, aproveitar as oportunidades surgidas a partir desse conhecimento e desenhar uma proposta exequível que atenda em grande parte a todos os atores nela envolvidos.

Nesse sentido, o caso do passivo da Braskem em Alagoas tem sido uma aula para os estudiosos do tema.  Aproveitando-se da falta de expertise qualificada dos interlocutores locais e da “bateção de cabeça” entre eles, a empresa vem deitando e rolando na condução a seu bel-prazer e nos termos por ela desejados do mega desastre que a corporação provocou em Maceió e adjacências.

Não é para menos. A quase totalidade dos alagoanos (e dos afetados e não apenas as pessoas físicas ou jurídicas privadas) desconhece a empresa (uma das seis maiores do mundo), seu modus operandi em negociações, os tentáculos que a ajuda a penetrar em todas as frestas de poder, sua enorme capacidade de dissuasão e cooptação, o papel geopolítico que ela representa no segmento petroquímico nacional e internacional. E até qual é a tendência do mercado petroquímico mundial e o papel que a empresa joga nesse campo.

Um pouco de informação sobre isso vai bem. A China tem entrado com força no segmento (apenas nos últimos 5 anos o país construiu a mesma quantidade de indústrias petroquímicas existentes em toda a Europa, Coreia do Sul e Japão, juntos!). E isso, claro, acendeu uma luz vermelha no setor com o acirramento da concorrência entre aqueles que anteriormente dominavam o mercado. O aumento da produção chinesa (em plena crise imobiliária no país) está levando a China a exportar a sua matéria-prima provocando o excesso de capacidade ofertada que tem levado os preços dos produtos petroquímicos aos menores níveis da última década, a ponto de empresas europeias - as mais afetadas - virem lutando para operar no azul.

E esta é uma das razões para o interesse da ADNOC na Braskem. Uma joint venture com a Petrobras não apenas vai ampliar a escala de produção dos dois gigantes e reduzir custos operacionais, como fará surgir no mercado um portento corporativo capaz de competir adequadamente num mercado a cada dia mais competitivo. Continuarem relevantes num mercado que está passando por vertiginosas mudanças é o foco.

Considerando essa análise sumaríssima, tanto Petrobrás quanto o fundo ADNOC não dizem, mas tem interesse numa rápida solução para a questão da aquisição do controle acionário da Braskem. Afinal, precisam escalar suas produções. Mas, o passivo de Alagoas vem sendo um empecilho político (nem é estratégico, nem financeiro) que precisa ser resolvido.

Ora, se de um lado há certa pressa em solucionar a questão e do outro os credores da Braskem em Alagoas também desejam equacionar o mais rápido possível a dívida da Braskem em Alagoas, temos aí uma promissora rota passível de ser trilhada.

Então, o que está faltando?

Qualquer avaliação profissional sobre a questão escancara os erros táticos e estratégicos que foram e estão sendo cometidos pelos alagoanos. É preciso corrigi-los — urgentemente — se quisermos lograr algum sucesso nesta empreitada. A divisão de esforços e iniciativas atuais somente beneficia à Braskem. E isso se choca contra os interesses da Petrobras e do ADNOC.

A própria Braskem parece não ter feito ainda a leitura correta do momento atual da negociação com Alagoas. Ela, uma empresa multinacional acostumada a “gerir” diferentes contenciosos em decorrência de suas operações em todo o mundo e com corpo técnico e assessorias qualificadas para a lide quase cotidiana dos imbróglios da empresa mundo afora...

No caso de Alagoas, mostra o bom senso que obviamente não há chances de sucesso numa negociação desse porte, insistindo-se no que não vem dando certo. É primário. O mesmo pode-se dizer da insistência da empresa em querer – na marra – fazer os afetados (pessoas jurídicas e físicas privadas, governo de Alagoas e municípios impactados) engolirem a seco goela abaixo as suas propostas escusas em troca de migalhas. Não vai mais acontecer.

Voltemos a Alagoas. Vejam, por exemplo, o esforço jurídico que vem sendo desenvolvido. Quantas dezenas de ações estão tramitando ou foram liminarmente negadas pela justiça? Imaginemos que se ganhem algumas delas na primeira instância, o que fará automaticamente a empresa recorrer a segunda instância. E se ela perder na segunda instância apelará aos tribunais superiores. E lá se vão anos e anos de espera e esperanças.

Não se pode desconsiderar o poder de dissuasão da corporação. Afinal suas coroadas consultorias são as mais bem relacionadas na justiça brasileira, seus lobistas estão entre os mais eficientes do Congresso e entre os órgãos federais do seu interesse... 

Sabe aquela chance de ganhar na loteria? A chance de Alagoas e dos afetados levarem essa na justiça brasileira e, ainda menor...

Então analisemos a possibilidade da justiça holandesa (como virou moda por aqui se falar que seria a salvação da lavoura dos oprimidos pela Braskem). Em primeiro lugar, é preciso que se diga que uma ação do porte da pretendida leva por baixo uns 5 a 7 anos para chegar ao final.

Mais: é praxe nessas operações que pouco antes do final (se a empresa perceber que vai perder a lide), busque um acordo com os advogados dos afetados. Vamos entender isso melhor: cada afetado vai pagar 30% à consultoria jurídica que está patrocinando a causa; já um acordo para ser fechado com a empresa vai exigir uns 30% de desconto (é mais, tá?) em favor da empresa ofensora, ou seja, dos 100% só estão, agora só vão sobram 40%... Mas o afetado ainda tem que pagar os honorários dos advogados locais (que segundo soube, está uma briga de foice entre escritórios da cidade), digamos que no barato fique por 10%, este caso, vai sobrar para o afetado, rasos 30% do que ele teria direito.

Isso, se o afetado que ganhar na Holanda não tiver assinado o acordo de compra e venda com a Braskem. Para os que já assinaram que fiquem avisados: a empresa pode entrar na justiça por litigância de má-fé e no mínimo, ele vai ficar até sem os 30% que lhe restaria da “magnifica” saída via Holanda... Alguém precisa avisar a essa turma para não serem enganados de novo...

Então como é que fica?...

Não fica, se se continuar dando murro em ponta de faca. Repetindo ad nausean os mesmos procedimentos e as mesmas escaramuças. Temos a nossa frente uma oportunidade — única e última — dos afetados (moradores, prefeituras e governo do estado) conduzirem com sucesso a missão de equacionar o passivo da Braskem em Alagoas. Mas é preciso mudar o rumo dessa conversa de até agora.

O novo modelo deve se apoiar no triunvirato: alta expertise negocial, coordenação executiva unificada do processo e execução profissional. Não se pode pensar em conduzir amadoristicamente as negociações com a Braskem. Os resultados não virão.

Ou se articula rapidamente um esforço concentrado e qualificado para se aproveitar os interesses convergentes da Braskem/NOVONOR em vender e ADNOC e Petrobrás em comprar, ou podemos perder de novo o bonde da história como soi em acontecer em tantas outras situações pretéritas.  E como se sabe recomeçar é sempre muito mais difícil...

As empresas não dizem, mas torcem por soluções que lhes viabilizem, de forma relativamente rápida, o encaminhamento dos seus interesses corporativos.

E elas existem. E estão disponíveis...Mas...

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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