colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

Elias Fragoso: A face nua, crua e cruel realidade

10/08/2025 - 08:27
Atualização: 10/08/2025 - 08:31
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A Braskem hoje é uma empresa sem capacidade de reação ao mercado e sem o capital necessário para as transformações que voltariam a torná-la competitiva. A sua realidade é a de uma empresa à espera de um dono, fragilizada. A notícia no Valor Econômico de que a companhia recorre à venda de ativos em um cenário de aumento da alavancagem somente confirma a gravidade da situação. A tentativa de vender sua operação nos EUA — uma manobra que já foi vetada pela Petrobras por que desvalorizaria o negócio principal — é apenas a face mais visível de suas dificuldades, que, como alerto há mais de um ano, aponta para o caminho difícil da Recuperação Judicial se não encontrar um comprador.

É nesse cenário de crise corporativa em seu epicentro, que a Braskem meio que como não quer nada, anuncia meio que em passant que irá desativar o sucatão da Praia do Pontal. Típica atitude de mineradoras: depois de destruírem tudo, saem de fininho e o prejuízo, ó! Ela sai, mas deixa um legado de ruina provocado por sua mineração criminosa, um passivo social, ambiental e econômico de proporções inimagináveis estimado conservadoramente em 20 bilhões de reais!

Pessoalmente deveria estar exultante, afinal, está sendo um enfrentamento quase Quixotesco desde quando levantamos a bandeira da retirada do sucatão de dentro de Maceió. Mas, como maceioense, não posso, enquanto cidadão, deixar de estar preocupado com o desfecho muito ruim para as vítimas, a cidade e o estado de Alagoas que correm o risco de ficarem de mãos abanando. É o outro lado dessa perversa moeda a nós imposta pela Braskem cujo lado 1 é prejuízo e o lado 2 também prejuízo.

Desde o anúncio exclusivo aqui na coluna e no Jornal EXTRA sobre o fechamento do sucatão, me chama a atenção, a quase nula reação pública. O que me leva a refletir, fomos vencidos pelo cansaço imposto pela empresa? por que a mídia local não deu até agora o destaque que a questão suscita? Ou será que, afinal, se convenceram dos números ínfimos da sua importância para Alagoas (menos de 0,5% do PIB e 0,13% dos empregos com carteira assinada)?

Mas essa irrelevância econômica se choca com a ameaça latente. A saída da empresa da praia do pontal, por si só, traz um alívio. No entanto, essa promessa de paz é, na verdade, a "paz dos cemitérios". Ela vem acompanhada de uma herança de devastação, humilhação, milhares de credores sem receber, dívidas com o estado e um passivo ambiental, urbanístico, histórico e cultural gigantesco.

A empresa destruiu 20% dos bairros da cidade, impactou a vida de 15% da população de Maceió residente na área do desastre e causou um prejuízo incalculável. Essa herança inclui o trânsito urbano caótico, centenas de milhares de pessoas lesadas, mais de mil com problemas psicológicos e emocionais e, tragicamente, quase duas dezenas de suicídios.
A saída da Braskem lembra o final daquela novela em que o mocinho foge de avião e dá uma sonora banana para quem fica por aqui. Agora, a pergunta que não quer calar e é imperativo questionar: como ficam as autoridades que, fingindo defender os interesses das vítimas, de fato defendiam os da empresa? Os que continuam a defender com unhas e dentes a multinacional contra Alagoas, Maceió, as vitimas e a sociedade alagoana, como vão explicar seus comportamentos aviltantes aos seus filhos, netos? E a justiça?

E os afetados que ainda não perceberam que a Braskem, em sua forma atual, já não existe? A crise interna é tão severa que dela não sairá mais nada substancial. Estamos a um passo de uma mudança de dono mas a turma como sonâmbula continua a querer tirar leite na mesma pedra que nunca produziu uma gota.

A mudança acionária alterará todas as regras do jogo, e provavelmente para pior. Se não houver uma negociação imediata com os futuros donos, ficará muito mais difícil negociar qualquer solução de curto ou médio prazo depois da mudança consolidada.

A empresa está sendo vendida e não se vê ou ouve ninguém discutir as implicações disso para quem perdeu tanto. O pior é que há saída para esse imbróglio, mas a turma que se satisfaz com os acenos da Braskem prefere se calar. Enquanto as vítimas insistem em bater na porta errada.

Se insistirem lhes restará migrar para a Holanda e perder quase tudo para os escroques por trás daquela operação, continuar sendo enganados pelas lorotas e silêncios sintomáticos das autoridades locais, ou torcer para uma (improvável) decisão de longo, muito longo prazo da justiça brasileira a seu favor. Ou eles se organizam de verdade e já para o enfrentamento de uma negociação dura e difícil com os futuros investidores ou vão continuar como estão: sem nada.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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