PIB alagoano: milagre, erro grosseiro, propaganda ou crime?
Brasil vive uma crise silenciosa: a erosão da confiança nas estatísticas oficiais. Números que deveriam orientar políticas públicas e investimentos são tratados como propaganda. O IBGE, ao falhar em comunicar as limitações de suas séries, abre espaço para governos estaduais “ajustarem” estimativas, manipulando interpretações e vendendo cenários artificiais de crescimento. Veja-se o caso do governo alagoano, que há algum tempo alardeia números, à primeira vista, incompatíveis com a realidade do Estado.
O mais recente: o PIB alagoano em 2023 cresceu 3,5%, acima do Brasil (2,9%) e foi o 3º maior crescimento do Nordeste. Ora, se a produtividade continua rasa, uma das menores do país, e a fragilidade estrutural é evidente, onde Alagoas — cuja taxa de desocupação gira em torno de 8%, uma das maiores do país, e cuja renda média é inferior a R$ 1.500 — foi buscar esse número exuberante de crescimento?
O governo divulgou projeções próprias antes das revisões do IBGE, tratando estimativas como números definitivos. O PIB, como se sabe, depende de múltiplas bases de dados que chegam com atraso graças à incompetência do IBGE; sem revisão, os números podem conter deflatores mal calibrados, setores com dados parciais e modelagens apressadas. Quando estimativas, como a de Alagoas, são vendidas como resultado final, o risco de erros grosseiros e distorções da realidade é grande.
O crescimento ora alardeado está amparado no setor público e no setor industrial. No primeiro caso, trata-se de expansão sustentada por gasto estatal, sem ganhos de produtividade. No segundo, o crescimento industrial é questionável: não se sabe de onde foi extraído, já que a indústria alagoana é rasa em tecnologia, pouco diversificada e dependente de segmentos tradicionais de baixo valor agregado. O resultado, nos parece, é um PIB inflado por bases frágeis, vulnerável a revisões. O efeito mais delicado desse uso da estatística talvez não esteja nos números em si, mas na forma como são percebidos.
Quando dados são apresentados como certezas absolutas, mesmo antes das revisões — e sem alertar o público para isso — cria-se um ambiente em que a confiança se desgasta silenciosamente. Empresas passam a olhar com cautela, e a sociedade fica sem clareza sobre o que de fato está ocorrendo. Sem rigor e transparência, a estatística corre o risco de passar a ser vista mais como narrativa que como instrumento de orientação.
É preciso lembrar: divulgar projeções como verdades definitivas não é apenas um erro metodológico; pode configurar irregularidade grave. Estatísticas oficiais são patrimônio público, e sua manipulação ou uso indevido pode enquadrar-se em ilícitos como improbidade administrativa, falsidade ideológica e até crime de responsabilidade. Estatística, pessoal, não é propaganda. “Maquiá-las”, ainda que por omissão ou incompetência, é crime.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA



