Quando a estética venceu a sociologia na Bienal de São Paulo
Texto de Benedito Ramos – escritor. Membro da Academia Alagoana de Letras
O ano de 2004 foi marcado pela disposição do curador da 26ª Bienal de São Paulo, Alfons Hug, de privilegiar a estética em detrimento de temas sociais na mostra daquele ano. O certame tinha como marca a presença de grandes nomes internacionais com pintura. Sua valorização da estética propunha minimizar os espaços da arte conceitual, num conjunto mais austero e audacioso. Na época, compreendi que o curador desejava salvar o mercado de arte. Afinal, se todos os artistas passassem a produzir obras conceituais, instalações, enfim arte efêmera, acabaria o mercado.
Esse poderia ser o viés, no entanto, a arte conceitual sempre imprimiu a visão crítica do pensamento humano, sobretudo da sociedade, da política, da religião e da justiça. Em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva havia chegado à presidência, depois de perder as eleições em 1989, 1994 e 1998. Era um ex-operário que galgava o posto máximo no país. Igualmente à Roma de Otavio Augusto, o Brasil estava em “relativa paz”. Também um período de menos intervenção do governo no mercado financeiro, embora não chegasse a um laissez-faire, tudo corria bem.
Naquele ano a inflação caíu de 9,30% em 2003 para 7,60% em 2004.
A 26ª Bienal teve um público recorde de 917 mil pessoas, um orçamento de 22,4 milhões de reais e foi marcada pelo bloqueio das contas da Fundação, por questionamentos de convênios firmados em 1999. A liminar do Tribunal Regional Federal de São Paulo desbloqueou os recursos em abril daquele ano e o evento aconteceu.
Bem mais que outras manifestações artísticas, a arte tem o poder de sintetizar o cenário social, promover reflexão e formular debate sobre os temas mais polêmicos da atualidade. O que não foi compreendido na mostra Queermuseu, acusada de incentivar a pedofilia e atentar contraos bons costumes. A mostra foi cancelada após a exibição do vídeo sobre ela, feito por Marcelo Crivella, prefeito do Rio, nas redes sociais. Seria impossível negar que suas motivações não tenham sido políticas e religiosas, considerando sua participação na Igreja Universal do Reino de Deus como bispo. A insensatez impediu que a mostra pudesse ser compreendida
como denúncia contra a violência.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA



