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Odilon Rios

Jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

Conteúdo Opinativo

O império do açúcar e seus escravos

18/03/2023 - 06:00
Atualização: 17/03/2023 - 21:45
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Divulgação
No início o século, um fiscalização flagrou trabalhadores em situação análogas à escravidão em Alagoas
No início o século, um fiscalização flagrou trabalhadores em situação análogas à escravidão em Alagoas

No início deste século as intocáveis usinas foram alvo da maior ação de fiscalização da história de Alagoas: a Zumbi dos Palmares, entre fevereiro e março de 2008. 

Uma operação que usava o nome do líder do maior quilombo das Américas tinha simbolismos: aqui e ali, nas fofocas das esquinas, dizia-se como os trabalhadores eram tratados nos canaviais. 

Mas não havia fotos, documentos nem disposição dos criadores, fiscais e executores das leis. Existia apenas a palavra dos usineiros, insistindo na própria honradez, no respeito às pessoas e famílias, tudo em cima do passado das capitanias hereditárias.

Este discurso de um lado só ruiu. A ação fiscalizadora flagrou trabalhadores vivendo como nos tempos de Zumbi: antigos escravos fugindo dos engenhos, em busca de liberdade.

A reação dos órgãos de fiscalização veio como enxurrada: anos e mais anos de acordos descumpridos, tentativas de conciliação dando em nada, omissões, dribles na lei. Os usineiros têm para si um Estado paralelo: a violência e o autoritarismo eram potencializados pelo dono do dinheiro.

O que diziam ou cobravam fora dos muros das usinas não tinha importância. 

E o cenário – para eles – era o melhor possível: Teotonio Vilela Filho, um dos herdeiros da Seresta, era governador de Alagoas. Também a fiscalização encontrou irregularidades na usina.

Nestas circunstâncias quase impossíveis, em que nada parecia arranhar o prestígio dos barões do açúcar, veio a ofensiva: a Procuradoria Regional do Trabalho liderou uma frente de inspeção com o resgate de 650 trabalhadores flagrados em situação degradante.

Não havia água potável, os alojamentos estavam em condições precárias (incluindo esgoto a céu aberto), os ônibus de transporte dos trabalhadores estavam em péssimo estado de conservação, faltavam equipamentos de proteção individual, crianças foram flagradas trabalhando e os trabalhadores recebiam entre R$ 3 a R$ 4 por cada tonelada de cana cortada.

O relatório final foi apresentado na conferência da Organização internacional do Trabalho (OIT) em Genebra, na Suíça, no mesmo ano. A ação original cobrava R$ 20 milhões de cada usineiro, a título de indenização. 

O principal veio depois: a multa foi reduzida a R$ 1,2 milhão para os donos das usinas fiscalizadas, mas não havia como saber se as fábricas haviam erradicado o escravagismo flagrado na fiscalização. Venceu o mais forte: o passado ficou lá atrás, os usineiros acionaram suas redes de proteção em Alagoas e Brasília e nunca mais uma instituição ousou desafiar os poderes imperiais e absolutos destes herdeiros dos velhíssimos donos de engenho. 

Os usineiros nunca admitiram a própria culpa. Também nunca pediram desculpas. Ao contrário, Alagoas sempre agradece, nos tempos da safra, os empregos. As condições? Deixa para lá.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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