colunista

Odilon Rios

Odilon Rios é jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

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Moinhos da ignorância fazem um Graciliano

16/03/2024 - 06:00

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Quando Graciliano Ramos frequentou os bancos escolares alagoanos, as escolas públicas não eram tão diferentes de hoje: muitas vezes abandonadas pelos gestores, professores pouco qualificados, tudo empinhado em prédios horrorosos, decadentes, como se a qualificação fosse uma tortura, a exposição das pessoas à degradação uma coisa natural. E daí teria de vir o prazer na pesquisa, conhecimento, o apossar-se do saber oficial.

Estamos no Brasil que encerrava o século 19 e tropeçava nas primeiras décadas do 20. Já éramos república, mas os princípios republicanos apenas um penduricalho ornando um Brasil (na época escrito com z) onde até os defuntos votavam. Brasil carnavalesco, Palmeira dos Índios uma “cidade essencialmente brasileira” como escreveu em Linhas Tortas.

Graciliano era de classe média, mais velho de 16 filhos. Infância dividida entre Buíque (Pernambuco) e Viçosa (Alagoas). No livro O Pensamento Graciliânico e suas Relações Sociopolíticas e Administrativas em Alagoas (Edufal/Imprensa Oficial Graciliano Ramos/Fapeal), Ângela Maria dos Santos cita a crônica Professores Improvisados. Os professores sertanejos são pouco sensíveis. Ensinam antes de aprenderem, quando deveriam aprender para ensinar. Mas naquela realidade cercada de morte e força bruta, “todos precisamos viver”.

É um milagre que Graciliano tenha sobrevivido aos destroçados bancos escolares também de Alagoas, ainda hoje líder em analfabetismo apesar de termos parido e balançado alguém com textos traduzidos para 24 idiomas. Se isso tudo soa incrível, imagine então que Graciliano Ramos, filho de pais do século 19 – frios porque talvez Graciliano ao lado do filho Ricardo mostrar fraqueza nos sertões significasse fácil exposição aos caçadores de almas – tornou-se defensor de princípios iluministas na educação.

Quando era prefeito de Palmeira dos Índios, equiparou os salários das professoras aos da capital. Houve chiadeira. Não se abalou. Era também uma forma de protestar contra os métodos de ensino e os materiais escolares (e ele foi cobaia deles). Sabendo falar pouco e bem, estava tudo bem. E Graciliano reclamou do enjoo destas coisas (como relatou no livro Infância).

Ângela Maria dos Santos diz como este modelo que influenciava Graciliano causava choques e faíscas com a realidade. Ele, defensor de uma proposta de autonomia dos indivíduos provocada pela educação. A vida real, porém, tão complexa e cheia de riscos que Deus, se quisesse vir, teria de chegar armado, lembrando o modo de viver nos sertões da Bahia e Minas, descritos por Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas.

Tempos em que os professores eram responsáveis pelos fracassos dos alunos e deles próprios. Tempos de educação tratada como folha seca, indo e vindo ao sabor dos gestores. Governos que nada realizavam, rebocavam o ensino sob uma estrutura que balançava, balançava e não caía. Linha divisória entre o fracasso e o precipício. Os dois, buracos.

Graciliano foi preso em 1936. Por indicação do amigo Carlos Drummond de Andrade ocupou o cargo de inspetor Federal de Ensino Secundário no Ginásio São Bento, no Rio. Pelas mãos do mesmo governo que o prendeu, o de Getúlio. Histórias e tanto para um filho da ignorância que se pôs a virar prisma neste chão de letras numa terra de analfabetos. Viva Graciliano!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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