colunista

Odilon Rios

Odilon Rios é jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

Conteúdo Opinativo

Auto-homenagem ao major

14/09/2024 - 06:00

ACESSIBILIDADE


Páginas interiorizadas da história de Alagoas podem ser resgatadas pela memória e, por mais pitoresca que nos pareça uma dada cena, haverá algo de política e de políticos vinculados a ela. Uma estudante de segunda série voltava para casa pelas 11 da manhã, quando fechava o turno matutino da Escola de 1º Grau Saturnino Souza, em Matriz de Camaragibe.

Seguia pelo caminho habitual, a Rua dos Coqueiros, aquela que um dia fora o quilombo local, com moradias habitadas pelo povo responsável pelas artes de sobrevivência, como esteiras, panelas de barro e até renda de bilro, hoje inexistente na região. Uma rua negra, com incontáveis moleques brincantes que viviam dias e noites a lhes movimentar, naquele instante parecia ter multiplicado o tamanho da folia de sua gente, que alegre corria pelos lados e por trás de um carro que desfilava lentamente, carregando um senhor sorridente que para todos acenava e distribuía confeitos, daqueles feitos de açúcar endurecido, como pequenas rapaduras enroladas em coloridos papéis.

A distribuição não havia sido projetada para todas as ruas da cidade, e em pouco tempo um corre-corre tremendo começou a visar a direção da rua privilegiada. “Essa é a Avenida Governador Luiz Cavalcante”, ele dizia, quase alfabetizando o público sobre o nome formal do logradouro. E a fantástica fábrica de confeitos continuava a cuspir guloseima, que se hoje parece fácil e desprezível, naquele contexto era rara e adorada. Quem seria, afinal, o incrível benfeitor que esbanjava alegria de forma tão inusitada, sob aquele causticante fim de manhã? Os adultos explicavam orgulhosos que se tratava de uma visita honrosa do ex-governador Major Luiz Cavalcante à avenida matrizense que tinha o seu nome, embora ninguém a chamasse por ele.

Se parecia uma brincadeira para crianças, na verdade servia para estufar o peito dos adultos, aqueles mais esquecidos, que tinham recebido o privilégio de receber confeitos das mãos de um ex-governador do estado de Alagoas. Em 15 de novembro daquele mesmo ano, 1978, o Major foi reeleito senador pela Arena e deixou aquela avenida orgulhosa, embora a única testemunha disso seja esta memorialista, que tinha somente 7 anos de idade e ouviu dos pais toda a trama que orienta a linha dessa crônica, mas lembra do sabor daquele confeito como nenhum outro moleque, porque não era todo dia que se podia ganhar.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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