Literatura como historiografia – Alagoas de Danielma Reis
O fazer literário é muito mais do que uma junção de códigos escritos para o deleite da pessoa leitora ou o orgulho de quem escreve, pois carrega em seu âmago a capacidade de historiografar a vida vivida em tempos e espaços antropológicos, culturais, políticos e econômicos. Estes elementos construtores de história humana nem sempre conseguem permissão explícita para desaguar informações, ou, no outro lado, não parecem atraentes para a maioria, haja vista estarem ligados a uma fenomenologia do controle, que no Brasil resvala autoritarismo e violências.
Escrever seus rincões fez de homens brasileiros referências inquestionáveis a partir da literatura, salve Mestre Graça (Graciliano Ramos) e Dirceu Lindoso, gente nossa!
Novidade contemporânea manifesta nestas bandas, renova a ligação entre literatura e sociedade, trazendo elementos históricos para a prosa narrativa, e assim desponta sensível e singelo o romance de Danielma Reis, Se eu pudesse me perdoar.
Situado em Maceió da virada do século XIX para o século XX, o roteiro é encaixado em uma cotidianidade que destaca vozes alagoanas em hábitos e cardápios, situação política e costumes de família.
“Ao longo do livro podemos ter alguns vislumbres de Alagoas do começo do século XX. A capital Maceió era concentrada nas regiões do Centro, Jaraguá (onde fica o porto), o Trapiche da Barra (onde fica um ancoradouro na Lagoa Mundaú) e o bairro do Bebedouro. Até a primeira década de 1900, o transporte urbano era realizado com bondes com tração animal. Esses mesmos bondes poderiam ser utilizados em enterros, os chamados bondes especiais, que ficavam à disposição dos familiares, amigos e outros que quisessem participar da ocasião. Outro transporte bastante utilizado na época eram embarcações a vapor, que navegavam por rios e lagos do estado”.
Danielma Reis finca seus personagens no cenário alagoano antigo, e utiliza recursos ficcionais para retratar suas venturas e desventuras, como o naufrágio que abre a narrativa, alocando dados reais entre criações literárias de sua própria monta.
Falando sobre embarcações, segue: “Neste ramo, pode-se destacar a Companhia Pernambucana de Navegação Costeira, fundada em 1857, que em Alagoas operava com paquetes na linha Recife-Penedo-Recife, passando por Maceió, contudo, o acidente que vitimou os pais dos protagonistas não ocorreu de verdade, nem existiu o vapor Piranhas”.
Embutido no livro está o dado histórico: “Este período entre séculos também foi marcado pela abolição da escravatura no Brasil. Em Alagoas, no ano de 1881, um grupo de abolicionistas fundou a Sociedade Libertadora, com o intuito de advogar pela libertação de pessoas escravizadas. Entre as suas ações, seus membros levantavam fundos para compra de alforrias, acolhiam escravos fugidos e mantinham a Escola Central para educação de filhos de escravizados”.
A história ainda não foi contada inteiramente, e as razões para isso são diversas. No entanto, com a participação de mulheres alagoanas na prosa narrativa, escrevendo romances territoriais, certamente já é possível vislumbrar um ganho socio/cultural expressivo.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA