É professor adjunto da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e cirurgião especializado em cirurgia digestiva. Graduou-se em medicina pela Ufal (1980) e é mestre em gastroenterologia cirúrgica pela Escola Paulista de Medicina/Unifesp. Atua como docente e cirurgião na área de cirurgia digestiva da Ufal.

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“Eles puderam; elas puderam; por que também eu não posso”?

18/10/2025 - 18:53
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“Poterant, possent, quia ego quoque non possum.” (Em latim)

O professor Lourival Nunes da Costa nasceu com o dom inato para ensinar, sendo farol e porto para os jovens. Assim o fez durante mais de duas décadas no ginásio de Junqueiro.

Agora, ao completar 90 anos (1935), imbuí-me do desejo de reencontrá-lo e entrevistá-lo para o Extra Digital, como homenagem retardada nos 500 anos de Camões (2024), autor de Os Lusíadas, a quem citava com frequência e que tanto nos ensinava e estimulava com a expressão latina: “Poterant, possent, quia ego quoque non possum”, que traduzida versa: “Eles puderam, elas puderam, porque também eu não posso?”

Prof. Lourival nasceu em Taquarana (AL) e aos cinco anos perdeu a mãe. Seu pai casou-se novamente e ele abrigou-se com a irmã. Esse sofrimento moldou-o para não chorar ou emocionar-se em nenhuma ocasião.

Sua vida foi atravessada por epifanias, como a de ver um filho nomeado bispo — Dom Henrique Soares da Costa — pelo Papa Bento XVI (2014). E também por tragédias: a perda da mãe aos cinco anos, a morte da esposa Teresa Francisca Soares da Costa há dez anos e a partida do bispo, que sucumbiu à pandemia da Covid-19.

Em todas, a dor foi tamanha que chorou sem lágrimas, pois, segundo Pe. Antônio Vieira (1610-1698): “Há chorar com lágrimas, chorar sem lágrimas e chorar com riso: chorar com lágrimas é sinal de dor moderada; chorar sem lágrimas é sinal de maior dor e chorar com riso é sinal de dor suma e excessiva. (...) A dor moderada solta as lágrimas, a grande, senão da sua dor, não chorar, as congela e as seca. Dor que pode sair pelos olhos não é grande dor; por isso não chorava Demócrito; e como era pequena, não só chorar com lágrimas, mas ainda sem elas, para declarar-se com o sinal maior, sempre se ria.” Portanto, “a dor que não é excessiva rompe em vozes, a excessiva emudece.”

Prof. Lourival e seu aluno Dr. João Batista

Prof. Lourival não chora desde a perda da mãe aos cinco anos de idade. Esta perda secou-lhe as lágrimas e nada lhe faz chorar. Mas sobreviveu sereno, sustentado pela fé, como Diadorim no Grande Sertão: se Deus existe, tudo haverá de ter um jeito.

Alfabetizou-se e rapidamente foi atraído para a vida religiosa, que o levou a Apucarana, no Paraná, com a família franciscana. Após cursar teologia e filosofia, foi impedido por razões de saúde de tornar-se clérigo.

Abraçou Junqueiro, Alagoas, e ali desenvolveu sua vida de professor, iniciada no Brejo do Pacheco, contratado pelo Cel. Jorge Pacheco, cujas origens iniciais foram com o governador Francisco Manuel dos Santos Pacheco (1850-1926), que dá nome a ruas em Junqueiro e Maceió.

Foi classificado no concurso de fiscal de rendas. Com a fundação do Ginásio Divina Pastora pelo deputado Tarcísio de Jesus, Cônego Teófanes Augusto de Barros e dr. José Areias Bulhões, assumiu várias vezes a direção, além da cadeira de português. Foi mentor de minha e de tantas outras gerações, pois além do português, movimentava a vida cultural com o Grêmio Jorge de Lima.

Em 1962, casou-se com Maria Francisca Teresa Soares da Costa (d. Terezinha), professora formada no Colégio Imaculada Conceição de Penedo.

— Olha, a nossa vida de casal foi uma vida linda, rapaz. Nunca brigamos ou tivemos raiva um do outro.

Os filhos foram quatro: Henrique, Clara, Ricardo e Adriano. Netos — tenho quatro, do Adriano e do Ricardo. As crianças cresceram e ele precisou mudar para Maceió, para darem seguimento aos estudos. Contou com o apoio do senador Teotônio Vilela para a transferência. Na capital, a convite do deputado Tarcísio de Jesus, assumiu a provedoria da Santa Casa de Maceió por 12 anos, coroando seu voluntariado na educação e concluindo na saúde.

JB — Quando foi que o senhor sentiu a vocação de professor?
LN — Foi no seminário ainda e assim que saí fui contratado pelo dr. Jorge Pacheco para ministrar aulas no Engenho Brejo dos Pacheco.

JB — Dos políticos junqueirenses, quem mais apoiou o Ginásio?
LN — O deputado Tarcísio foi o padrinho perene desde a fundação e nunca deixou de ajudar. O padre Santana foi o primeiro diretor, mas uma intervenção o destituiu, pois se dedicou pouco.

JB — Professor, o que fez com que o senhor, apenas com a formação do seminário, tivesse aquele nível de português para sustentar a cadeira da língua nacional?
LN — Lá eu concluí toda filosofia e teologia. Já estava pronto para ser ordenado padre. Mas o motivo foi que a gente estudava muito latim. E também o grego.

JB — Prof., lembro que o senhor falava muito em Camões e Castro Alves. Quais eram seus autores de cabeceira além desses?
LN — Graciliano Ramos, José de Alencar (Iracema, a virgem dos lábios de mel), Castro Alves, o poeta maior.

JB — Para o senhor, ser professor era uma felicidade e encontrou uma companheira com a mesma felicidade.
LN — Isso, João, foi tudo na minha vida. Os dois éramos preparados. Nunca discutimos, nunca brigamos, nunca dissentimos. Parecia um feito para o outro.

JB — Qual a filosofia de sua gestão no ginásio?
LN — Despertar o aluno para se preparar bem com fins à independência econômica através da profissão escolhida. Eu costumava impregná-los com uma frase: “As coisas altas e lustrosas só se alcançam com trabalho e com fadiga”. Anos depois, os encontrei tantos repetindo a frase pra mim.

JB — Professor, como surgiu a ideia de fundar um grêmio no ginásio? Foi sua a ideia?
LN — No seminário tínhamos grêmio. Copiei e implantei. O nome foi Grêmio Jorge de Lima.

JB — O que o senhor me ensinou de oratória me formou para sempre. Faço uso dos seus recursos até hoje, sem necessidade de nenhum curso mais.
LN — Ensinar a discursar é importante. Mas ensinar a se comunicar também. Pra você como médico é fundamental. Dia desses um amigo reclamou do tratamento do médico. Ofereci a possibilidade de ser atendido por Ricardo, urologista, meu filho. Em seguida ele me disse: “Depois que me consultei com seu filho, me senti quase com saúde plena...”

JB — O senhor sofreu pressão na ditadura de 64?
LN — No interior as coisas são mais amenas. A gente sabia que aquilo tudo era errado, mas nunca batíamos de frente.

JB — Como sobrevivia o ginásio numa comunidade tão pobre?
LN — A Campanha Nacional de Educandários Gratuitos (CNEG), depois Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC), nos apoiava com verba e o deputado Tarcísio de Jesus, que sempre enviava verba. Ele foi o sustentáculo econômico principal do ginásio com seu prestígio. Outros políticos nunca enviaram um centavo. Mas sobrevivemos.

JB — Qual impacto o ginásio teve na comunidade junqueirense?
LN — O Ginásio Nossa Senhora Divina Pastora foi fundado em setembro de 1959, tendo sido seu principal mentor o deputado Tarcísio de Jesus. Seus dois amigos, Cônego Teófanes Augusto de Barros — maior educador alagoano do século XX — e dr. José Areias Bulhões fundaram 42 ginásios por Alagoas. O nome do colégio era o da padroeira da cidade. A ideia já estava consolidada sem injunção política. Mudava a corrente política, mas quem se atrevia a alterar o nome do ginásio? Ninguém.

O ginásio impactou a comunidade libertando centenas de jovens pela educação, porque após concluírem o ginásio era mais fácil os pais encaminharem para o segundo grau e fazerem vestibular, seguindo profissões com melhor ascensão econômica.

JB — Última pergunta: Qual foi sua forma de inspirar e educar?
LN — Eu mostrava: olha, a coisa mais bonita é você se esforçando direitinho. Lá na frente você vai conquistar o principal: sua independência financeira. Isso vai lhe ajudar a ser feliz.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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