A irmandade católica expulsa os escravizados

Fundada em agosto de 1824, em Maceió, a Irmandade das Almas passou a aceitar mulheres e escravizados como irmãos, diferente da Irmandade do Santíssimo Sacramento do Meirim, em Ipioca (1778), responsável pela administração de igrejas (e os irmãos tinham prestígio social e influência).
Estas duas irmandades tiveram de dividir, pela 1ª vez, o mesmo teto. Quando a igreja Nossa Senhora dos Prazeres passou por reforma, a Irmandade do Santíssimo Sacramento foi responsável em conseguir o dinheiro junto à Coroa portuguesa para as obras. Daí foi transferida para a Igreja do Livramento.
A Irmandade das Almas se tornou imprescindível nas paróquias porque cuidava das almas no Purgatório.
Segundo a pesquisadora Krislaine Sales, a experiência de aceitar escravizados na irmandade tinha riscos. Tanto que, em 1865, foi obrigada a expulsá-los. Sales investiga os motivos na pouca documentação que sobrou deste período e armazenada no Arquivo Público. Muitas caixas não podem ser abertas porque os papéis nem foram digitalizados nem estão disponíveis para consulta.
No século 19, as revoltas de caráter popular se acentuaram no Brasil também embaladas pela pressão contra a escravização, a fome, as pestes. A revolta dos Malês na Bahia assombrou o Império pela capacidade de articulação dos escravizados. Suspeitos pretos de participar de levantes poderiam ser deportados para a África.
Em Alagoas havia todo este caldeirão se misturando e o embate entre as oligarquias. A guerra entre os Lisos e os Cabeludos, por exemplo, obrigou o endurecimento das leis provinciais, com toques de recolher e proibição de aglomerações. Escravizados que estivessem circulando na rua fora dos horários eram presos e o dono, multado. A Coroa pressionava a Igreja a controlar mais os fiéis. Também foi proibido que os espingardeiros preparassem armas para suspeitos ou escravizados, e foi proibida a venda de pólvora ou instrumentos que pudessem provocar incêndios. Escravizados poderiam ser presos ou açoitados, caso houvesse suspeita de conspiração.
"As oligarquias e o poder culpavam os escravizados pelas desordens, e havia nos códigos de condutas um certo temor de que esse grupo se organizasse e fizesse em Maceió o mesmo que os Malês na Bahia. As irmandades do Santíssimo Sacramento e a Das Almas tinham suas rusgas, uma vez que a primeira (Santíssimo Sacramento) ficava com o altar principal e as demais irmandades com os altares laterais, era uma forma de discriminar e impor uma hierarquia entre elas", explica a pesquisadora.
"Com todas as mudanças nas leis e a cobrança da Coroa portuguesa para que a Igreja controlasse mais os seus fiéis, supõe-se que motivou a reformulação da carta de compromisso da irmandade das Almas que, em 1865, expulsou os escravizados da irmandade", conta.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA