colunista

Odilon Rios

Odilon Rios é jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

Conteúdo Opinativo

Meditação sobre a fuga

31/08/2024 - 06:00

ACESSIBILIDADE


Nascido em Maceió, José Augusto Guerra (1926-1982) foi um dos tantos brasileiros que se mudaram para Brasília logo após a alteração geográfica da capital federal, saindo do Rio de Janeiro. O presidente JK ergueu naquele descampado um novo centro do poder, mas também de terra vermelha, pó e poeira, fazendo as pessoas adoecerem com tantas ites (bronquites, faringites, gripes).

Na edição deste mês de agosto de 2024 da Revista Piauí são publicadas cartas de Guerra – diplomado em Direito, jornalista, professor universitário, assessor da Câmara dos Deputados e também colaborador em periódicos. Cartas endereçadas à esposa Ridalcy, que aguardava, com os filhos, que Brasília virasse uma cidade habitável. E com ar mais saudável.

Cartas que contêm relatos sobre política e políticos, saudades das barracas da orla da Ponta Verde e “olhar o mar e meditar sobre a saída, a fuga”. A fuga de Maceió, naquela altura uma cidade com menos bancos que a nascente Brasília. Maceió, aliás, é um “ambiente tão hostil”. E ele, alguém “carregado de ideias e de pontos de vista que colidiam e feriam a realidade”.

A trajetória de José Augusto Guerra dá pistas sobre este certo amargor por Maceió, sem renegar suas raízes e revelando sua paixão pelo mar e aquele ar provinciano da terrinha. Guerra era escritor, foi cofundador da Associação Nacional de Escritores e pertenceu à Academia Brasiliense de Letras. De certa forma, aquela Maceió dos anos 50 e 60 ainda estava bastante influenciada pelos modernistas José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e Jorge Amado. Mas as estruturas locais permaneciam e ainda permanecem resistentes aos leitores de suas realidades, aos pesquisadores da alma local. Tratam com desconfiança os que estudam nossa complexa história, seus fenômenos. “Também observo que nenhum dos que ficaram em Maceió, de meu tempo, trazia as preocupações que eu tinha. E daí viver como se eu próprio fosse uma ilha, incomunicável, um bicho”.

Doido por literatura, como se autoproclama, José Augusto Guerra tinha consciência deste ambiente, mas também “tive saudades da tragédia do adolescente, da minha adolescência”. Tempo em que “olhar para o horizonte sempre me pareceu um prazer”.

“Por que estou eu contando agora essa história? Porque sei que você está me ouvindo e assim poderá melhor me conhecer, nas minhas irrealizações, nos meus anseios destruídos e na razão de quanto insucesso, um quase Judas do romance de Thomas Hardy”.

A consagração na literatura ainda hoje é um problema em Alagoas, principalmente uma Maceió, ambiente ainda mais conservador e dominado por uma mitomania balsâmica para a massa, porém insatisfatória aos que desejam um pouco mais.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


Encontrou algum erro? Entre em contato