O dia de 29 de setembro
É uma data histórica no Brasil. Foi o dia da descoberta — para os olhos europeus, porque os indígenas Caetés sabiam disso faz tempo — do primeiro rio, o São Miguel, que fica em Alagoas. Feito atribuído ao navegador italiano, a serviço de Portugal, Américo Vespúcio. Mais tarde, o continente americano seria uma homenagem ao navegador.
O nome do rio é por causa do santo do dia, São Miguel Arcanjo, príncipe dos exércitos celestiais e guardião da fé católica contra as forças do mal.
A expedição de Vespúcio saiu de Lisboa em 13 de maio de 1501. Navegou 64 dias, abastecendo-se em Cabo Verde, até chegar a um ponto do litoral brasileiro que hoje os historiadores dizem ser o Rio Grande do Norte.
Varnhagen diz que Vespúcio tinha um calendário na mão e seguia batizando os locais por onde passava com o nome do santo do dia. Mas, ao percorrer o litoral brasileiro, percebeu que não se tratava de uma ilha, mas de um continente. A “virada de chave” foi fundamental para Portugal entender o tamanho e a complexidade da descoberta feita um ano antes.
Após o registro do rio São Miguel, dias depois, em 4 de outubro, encontrou o São Francisco, também no litoral alagoano.
O historiador alagoano Douglas Apratto segue a linha da maioria dos pesquisadores sobre a data do registro do rio São Miguel. O escritor e historiador francês Henry Harrisse pensa diferente. Em seu The Discovery of North America (Paris, 1892), o rio São Miguel não teria sido o primeiro, mas o quarto a ser descoberto no Brasil. E o São Francisco, o sexto.
A interpretação das cartas escritas por Américo Vespúcio pode ser diferente entre os pesquisadores, mas, em um ponto, há convergência: o litoral brasileiro era habitado por indígenas que guardavam hábitos e costumes semelhantes. Mais tarde, os pesquisadores classificaram todos em tribos e nações diferentes.
Quando Américo Vespúcio percorreu o litoral alagoano, habitavam os Caetés. Não falou deles, mas, a partir do que viu e relatou no Rio Grande do Norte, as características são conhecidas: andavam nus, como vieram ao mundo, diferenciavam-se pelo uso de apetrechos, como pedras nos rostos, encravadas em buracos feitos por eles mesmos na pele; eram autossuficientes, ou seja, dominavam todas as suas artes; e o que chama a atenção: eram antropofágicos, ou seja, comiam carne humana. Inclusive, Vespúcio testemunhou pedaços humanos pendurados para consumo de todos, e os indígenas estranhavam que uma carne tão gostosa não estivesse no cardápio dos navegadores.
Eram pescadores aplicados, viviam 150 anos e habitavam uma terra fértil “com muitas colinas, montes, infinitos vales, abundante em grandíssimos rios, banhada de saudáveis fontes, com selvas amplíssimas e densas, pouco penetráveis, copiosa e cheia de todo o gênero de feras”.
Não seria uma descrição que poderia caber no litoral alagoano?
Mesmo poluídos, assoreados e sem o vigor de navegação do passado, o São Miguel e o São Francisco são exemplos de resistência. Evoé.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA