colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

Dois bicudos se beijam?

27/09/2025 - 06:00
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A inesperada “química excelente” que Donald Trump afirmou ter com o presidente Lula, após um breve encontro de 39 segundos na ONU, representa uma rara e frágil fresta para o reestabelecimento da diplomacia entre Brasil e Estados Unidos. A situação, atípica na história das relações bilaterais, foi precedida por meses de hostilidades diretas, impulsionadas por um tarifaço americano imposto sob premissas equivocadas — como um inexistente superávit comercial brasileiro — e pela exigência de que o governo brasileiro interferisse para livrar o ex-presidente Jair Bolsonaro da cadeia.

O aparente recuo de Trump, contudo, tem motivações mais pragmáticas do que diplomáticas. O presidente americano, movido por uma lógica transacional e pela convicção em sua própria genialidade, não está preso a ideologias. A Casa Branca, supostamente mal informada por setores do bolsonarismo, não conseguiu alcançar seus objetivos de desestabilizar o “sistema” brasileiro ou libertar Bolsonaro. Paralelamente, a agressividade de suas medidas gerou o efeito colateral de pressionar empresários americanos afetados, como os do mercado de café, que demandaram uma revisão da política. O gesto de Trump, portanto, pode ser menos um sinal de boa vontade e mais uma manobra para reposicionar-se em uma negociação onde ele possa “quebrar a banca” e sair como vitorioso.

A oportunidade de negociação, no entanto, é real. Analistas e o setor privado apontam que o Brasil poderia acenar com temas de profundo interesse americano. O primeiro deles seria a cooperação em minerais críticos, nos quais o Brasil possui um terço das reservas globais, mas apenas uma pequena fração da produção. A parceria com Washington, em um cenário de competição geopolítica com a China, permitiria ao Brasil atrair investimentos e integrar-se à cadeia de produção, saindo da mera condição de fornecedor de matérias-primas. O segundo ponto sensível são as plataformas digitais, onde as big techs buscam um ambiente regulatório claro, longe da imprevisibilidade jurídica.

Apesar do potencial, o cenário interno brasileiro é complexo. Uma parceria mais profunda com os EUA enfrenta resistência em alas do governo Lula, que veem o movimento como uma concessão de soberania. Por outro lado, o próprio presidente Lula tem conseguido capitalizar politicamente a crise, usando-a para reforçar sua narrativa de defensor da soberania nacional contra “traidores da Pátria” que, segundo ele, estariam incitando as agressões americanas. Irá querer abrir mão disso em favor do Brasil?

No frigir dos ovos, a questão que se impõe é: “Dois bicudos se beijam?” O super ego do presidente Lula, construído sobre a imagem que ele construiu para si — de um estadista global — sem que isso corresponda à realidade dos fatos, choca-se diretamente com o mega ego de Trump, que vê a diplomacia como uma extensão de suas negociações pessoais e busca unicamente a vitória a qualquer custo. A fresta aberta entre eles pode ser a oportunidade de um acordo pragmático ou apenas um palco temporário para o embate de duas vaidades idiotas, longe dos interesses reais dos dois países.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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