João Rico, o mais avaro e ingênuo dos alagoanos
Nem todos os endinheirados de Alagoas gostam de exibir o que têm. João Rico é um deles. Nadava em dinheiro mas vivia na miséria. A primeira mulher morreu de fome. Foi um bom negócio: menos uma boca para comer e gastar dinheiro. Só que nem o mais avarento dos homens se basta. Procurou um novo amor. Teve o cuidado desta vez de escolher alguém que não comia, além de religiosa, ou seja, bem alimentada espiritualmente e desapegada da mais básica das necessidades. Maria era cercada de santos.
João, a mais esperta das criaturas, desconfiava. Um dia, quis porque quis ver aqueles santinhos que só viviam reclusos, longe dos olhos do mundo. “Coitadinhos, devem ser bem magrinhos”, disse João, forçando o encontro e a revelação do grande segredo. Maria negou, João insistiu. Ela apelou para a promessa: o avarento nunca, jamais, poderia ver os santos em eterno jejum. E nada.
Então, lembrou que a parte mais fraca da humanidade é o bolso: se João visse os santos, a mágica se desfaria e Maria se transformaria numa louca devoradora de tudo.
“Vôte. Já não está mais aqui quem falou”, disse João. O mundo é dos espertos, diz o ditado popular. Mas existem os espertos mais espertos e outros ainda mais espertos, numa sequência sem fim de novos trambiqueiros, pilantras, safados e cambalacheiros.
João Rico cria que os outros eram mais tolos. O patife era ingênuo. E ele, que vivia de mentiras e trapaças, acabou preso por um crime que não cometeu. Era um complô montado pela mulher. Desconfiado, o delegado também prendeu Maria.
Em Alagoas, João Rico representava um anti-consumista, porém capitalista de corpo e alma sem interesse de exorcizar a miséria, o avesso de tipos sociais que gastam para exibir e exibem para outros gastarem. Seu comportamento desamparado o isola do convívio do mundo, é alvo de discriminação, mas… quem se importa?
Autor do livro O Riso Subversivo, Otávio Cabral analisa a peça A História de João Rico, genuinamente alagoana, encenada pela 1a vez em julho de 1966 no Teatro Deodoro pelo grupo Teatro de Amadores de Maceió. O riso da plateia vira deboche, no texto de Wolney Leite e Gercino Souza, ambos pernambucanos e regendo naquele instante o movimento teatral alagoano pós-golpe militar.
Afinal João Rico é a nossa catarse cômica. Mesmo um avaro numa terra tão cheia de abismos sociais como Alagoas atesta que os privilégios aristocráticos podem também ser estratégias de malandragem. A vida imita a arte. No plano real, nem tudo é asséptico e bem comportado.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA



