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Odilon Rios

Odilon Rios é jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

Conteúdo Opinativo

Direitos sociais na terra dos sem-direitos

13/04/2024 - 06:00

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O sentido da partilha do dinheiro público nos serviços públicos está em discussão, mas existe um vácuo nos poderes Legislativo e Executivo, ainda mais em áreas pobres do Brasil, como Alagoas, por exemplo. Líder em porcentagem de pessoas famintas, com mais da metade da população recebendo até um salário mínimo e o acesso a serviços públicos ainda tratados como uma corrida duríssima de 100 metros, onde a persistência de quem corre até o objetivo é tão ou mais importante que o próprio final.

Coaracy Fonseca, em seu livro “Lições de Direitos Fundamentais: Os Direitos Sociais na Berlinda” (Imprensa Oficial Graciliano Ramos: 2019), nos ajuda a entender como a busca obsessiva do Estado mínimo sacrifica mesmo os direitos sociais básicos, com corte de recursos, e isso num país com enorme passivo social. Alagoas também é Brasil, tão vítima de reformas na seguridade social que parecem destruir ao invés de reformar.

Num Brasil inventado pelos tecnocratas, basta transpor a realidade americana ao tecido histórico brasileiro. Lógico que não dará certo porque cada lugar tem seus desafios, mas a máquina da propaganda nos faz crer que a não intervenção do Estado e a ação da mão invisível do mercado são até piedosas, caso sejam deixadas livres para agir e encontrar, por força e obra do sistema capitalista, seu próprio equilíbrio.

Marcada na carne pelo escravagismo, Alagoas não tem apenas o racismo como explicação deste vastíssimo fenômeno que também inclui ódio aos pobres, subsídio estatal sem limites aos ricos e intocáveis donos de engenho/usineiros, manutenção de gerações inteiras em castas por décadas ou para sempre.

Todos os anos é aprovado o orçamento, aquilo que o Estado vai gastar durante o ano. O orçamento deveria ser uma programação, em especial porque a propaganda nos convence que o Estado é como uma empresa e o orçamento ajustado às necessidades domésticas, economizando aqui e ali, usando um cobertor curto. Não é assim. Foi preciso impor limites mínimo em gastos com educação e saúde. Também, “o orçamento, na prática constitucional brasileira, tornou-se uma peça de ficção, manipulável ao sabor dos ventos”, como nos diz Coaracy Fonseca.

Tratamentos de saúde pelo Sistema Único de Saúde ganham o ‘não’ como resposta do Executivo. Aciona-se, então, a Justiça, que na prática não deveria intervir nestes assuntos. E vê-se uma disputa sem fim entre Executivo e Judiciário. E se não fosse assim? Assistiríamos a uma tragédia diária porque a maioria de quem busca a solução judicial, principalmente em Alagoas, é pobre, seja na busca por remédios ou tratamentos médicos, ou ainda vagas em creches ou escolas públicas.

Estaríamos deixando o campo do direito e partindo para a lei da sobrevivência do mais forte, a ressurreição do darwinismo social. Ou melhor: a livre passagem para ele atuar, já que ele nunca deixou de existir. É só lembrarmos quem mais morreu na pandemia: pobres ou ricos?

“O controle das políticas públicas de saúde e educação pelo Judiciário visa ao escrutínio do cumprimento dos princípios constitucionais”, diz Fonseca, promotor de Justiça, ex-procurador Geral de Justiça, defensor da posição da óbvia função de fiscal da lei do Ministério Público Estadual.

É preciso, nos diz o autor, a formação da cidadania ativa, respeitando as regras do jogo democrático, a luta da conquista de direitos, mais a posição crítica e permanente vigilância em relação às ações governamentais. Mas, como isso pode acontecer em Alagoas, destaque em quase todos os índices sociais negativos, a força bruta ainda atuando como solução de conflitos e um povo historicamente massacrado pela própria necessidade de sobreviver ao brilho de cada sol?

Os projetos da nossa cidadania ainda estão distantes. Mas o nosso povo consegue construir a própria força e seu futuro. A natureza, porém, não dá saltos. Estamos em busca de nossa própria personalidade.banner

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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