colunista

Odilon Rios

Odilon Rios é jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

Conteúdo Opinativo

Máquina nova, molas velhas

21/12/2024 - 06:00

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Em 1830 – anos antes de Maceió virar município (16/12/1839) – existia um clima de desorganização administrativa que parecia facilitar a fuga e o esconderijo de escravizados de Pernambuco para a capital alagoana ou até mesmo na própria cidade.No ano seguinte, 1831, foi promulgada a Lei Feijó, aquela conhecida como “lei para inglês ver”. Porque determinava que os escravizados desembarcados no Brasil seriam considerados livres, mas isso não aconteceu. Os traficantes deveriam sofrer sanção legal, o que também não houve.Havia pressão nacional e internacional para o fim da escravidão. Além disso, em 1804, os ecos da independência do Haiti – colônia que se libertou da França após uma revolução de escravizados – reverberavam pelo mundo.Em 1815, os malês quase conseguiram organizar uma revolta em Alagoas. Tiveram sucesso em 1835, na Bahia. Eram caminhos longos, sujeitos a castigos, sangue derramado e sinais pelo corpo.Antônio, por exemplo, que fugiu de Pernambuco para Maceió em 1830, tinha as unhas roídas. A cabeça dos dedos eram grossas, talvez a marca de quem só andava de pés descalços e vivia bastante tempo de pé, além de uma ferida na perna direita. Mesmo assim, ele fugiu com uma espingarda levando Mariano, da Nação Congo, assim como Maria, Apolinária (braços, mãos e pés muito grossos que pareciam inchados) e Manoel.

A figura do capitão do mato era bastante comum no meio rural, mas ela também invadia a capital. Era quase um caçador de recompensas e se chamava capitão do campo.No início daquele ano, 10/1, fugiu o escravizado Antônio, cujo dono era Candido José de Souza, morador de Maceió. Também tinha as unhas das mãos e dos pés roídas, principalmente as dos dedos grandes. Antônio fugiu com uma espingarda, um passaporte falso que conseguiu na Cidade de Alagoas (hoje Marechal Deodoro) e era um hábil remeiro de canoas e entendia do manejo das jangadas.O capitão do campo Francisco Xavier das Chagas conseguiu capturar Francisco, que havia fugido de Pernambuco para Maceió.Outro Francisco conseguiu fugir. O cabelo na parte superior da cabeça caiu após carregar, por tanto tempo, tabuleiro. Tinha ainda uma chaga na perna, tornando seu reconhecimento ainda mais rápido. Foi vendido para Maceió ou arredores e fugiu.

Todos os casos acima aconteceram em 1830. Como também o do escravizado Marciano, 30 anos, com um talho na face junto ao olho, que conseguiu fugir há 5 anos e mesmo assim seu dono insistia em encontrá-lo, conforme anúncio no Diário de Pernambuco. E ameaçava quem tivesse Marciano em sua casa, sem devolvê-lo ao dono.Um rapaz entre 17 e 18 anos fugiu em abril. Um dos dentes estava rachado. Era sapateiro. Seu dono suspeitava que ele estivesse em alguma tenda de sapateiro.Um aviso: ele disse que iria à justiça contra quem açoitasse o escravizado após a publicação do anúncio.

A nascente Maceió era uma máquina que se dizia nova, de molas velhas. Tinha suas histórias, algumas delas mais esquecidas. Mas dolorosas.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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